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Modernidade e desigualdade: um dilema do nosso tempo

O que um assunto discutido lá em Davos, na Suíça, no Fórum Econômico Mundial, tem a ver com o futuro do seu trabalho? Tudo. A automação do mercado de trabalho, que é uma das pautas do Fórum realizado agora no mês de janeiro, tem potencial de afetar 15,7 milhões de trabalhadores brasileiros até 2030. Hoje, seis em cada dez atividades laborais já poderiam ser automatizadas em pelo menos 30%.

Recentemente o Governo Federal anunciou aqui no Brasil o corte de 60 mil cargos públicos considerados obsoletos, como datilógrafo e digitador. Essa amostra corrobora com a estimativa do Fórum de Davos de que mais de sete milhões de empregos administrativos e industriais deixem de existir no mundo entre 2015 e 2020 (já estamos em 2018!). De outro lado, dois milhões de vagas devem ser criadas no mesmo período para atividades como operações financeiras, gerência, computação, engenharia, vendas, educação e treinamento – funções que exigem conhecimentos específicos e de maior nível de complexidade.

Essa estatística expõe um futuro cruel com quem tiver menor qualificação profissional e, consequentemente, tem potencial de aumentar a desigualdade. Isso porque com o fim de funções exercidas pela população de baixa renda, cresce o desemprego – que hoje já atinge creca de 12 milhões de brasileiros. A tecnologia digital, que tantos avanços tem trazido ao mundo, também estampa essa face negativa.

Embora as crianças de hoje praticamente nasçam sabendo usar comunicação digital, ainda temos quase 350 milhões de jovens no mundo sem acesso ao mundo digital – conhecimento cada vez mais requisitado para as novas vagas e profissões. Além dos jovens sem acesso a essas habilidades digitais, temos a população mais velha, que precisará reciclar seus conhecimentos para trabalhar por mais tempo, por conta das mudanças na previdência e da maior longevidade. Nos dois casos, a saída passa por mudanças na educação e, infelizmente, não temos grandes perspectivas no médio prazo nessa área. É grande a probabilidade de aumento da já gigantesca informalidade, com mais pessoas recorrendo ao “jeitinho brasileiro” para garantir sua renda.

São reflexos de uma transformação rápida que vem ocorrendo no mundo e que se reflete, sim, nas nossas casas. Essa realidade vai nos exigir cada vez mais capacidade de adaptação. Vários especialistas já preveem que as profissões que as crianças de hoje abraçarão ainda não foram criadas e a tendência é que a velocidade das mudanças seja cada vez maior. Para viver com dignidade e conforto na sociedade que se desenha, será preciso quebrar paradigmas e deixar para trás vários conceitos arraigados há décadas, como o “sonho da carteira assinada”.

Para quem está iniciando a vida profissional, para os pais que podem investir numa educação de qualidade e para os gestores públicos preocupados com a sustentabilidade, a dica que vem de Davos é apostar em habilidades digitais e analíticas. Se isso acontecer teremos uma nova geração, em parte, melhor preparada. E a sua maior responsabilidade será usar os novos conhecimentos para encontrar soluções inclusivas para evitar que modernidade seja sinônimo de desigualdade.

 

 

Antonio Gavazzoni, advogado e doutor em Direito Público

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