Atrás de cada abraço existe uma história. Hoje recebi a visita de um velho amigo. E o enlace foi demorado, pois há tempos não nos víamos e veio acompanhado de um suspiro ofegante, qual criança diante do presente. Surpreendentemente ele não estampava o largo sorriso, costumeiro em cada reencontro. Sentamos à sombra da paineira, que nessa época do ano, espalhava suas flores cobrindo o chão com um tapete rosa. O ambiente acolhedor transmitia serenidade, um convite a desfiar confidências, que visivelmente o angustiavam.
Seu olhar fitava o vazio e num respirar profundo, passou a me contar sobre seu drama. Após a perda da esposa, sentia-se só. As dificuldades cresciam, afazeres rotineiros eram esquecidos, escapa-lhe a hora de tomar remédios, contas deixadas de pagar e até sua alimentação frequentemente posta de lado, por desleixo. Rodeado de solidão, via-se falando sozinho e mostrava-se indiferente com as pessoas ao redor. A anterior empatia com todos já não se fazia presente. Contou-me que seus filhos já não mais o visitavam com a frequência, por ele desejada. Disse-me que estava conformado, pois as últimas visitas tiveram conversas desagradáveis, girando sobre a necessidade de ir para o asilo. Nem mesmo a possibilidade de acolhimento junto ao lar filial era aventada, já que a nora mostrava-se radicalmente contra. Me confidenciava, que num futuro próximo não poderia mais viver sozinho e o fatídico dia se aproximava bem mais rápido do que desejava.
A tarde se alongava lentamente nesse mar de conjecturas. O quadro, carregado nas tintas, dava o que pensar. Na tentativa de consolar o amigo, comecei a perambular nas lembranças, constatando o quão efêmera é a vida, nada dura para sempre e num passo de cada vez, vamos nos condicionando ao que nos espera. Reforcei na certeza de que nos derradeiros instantes, apenas sobram os amigos. O cônjuge pode faltar, os filhos saem de casa para viver sua própria vida. Restam apenas os poucos companheiros sobreviventes. Divagava, estoicamente conformado com a situação e argumentava que mesmo nessas difíceis condições, persistir valia a pena. Notei seus olhos ainda mais esbugalhados, demonstrando incredulidade frente ao aparente fardo, que pesava.
Percebendo a amplitude da dificuldade, cada vez mais comum com o envelhecimento crescente da população, notoriamente deveríamos buscar soluções visando minorar o iminente desassossego.
O destino de milhares de idosos é uma típica plataforma de política social, conveniente e criminosamente esquecida pelos poderes públicos. Ninguém quer assumir a assistência, diante da magnitude da tarefa. Enquanto postergam, o drama só aumenta.
Ainda hoje, aos olhos da nossa sociedade imediatista, o idoso é visto como algo descartável. Em termos econômicos, são friamente computados na coluna das “despesas”. Deveríamos nos espelhar em culturas mais avançadas, que prestam aos mais velhos, o devido reconhecimento. Nada mais justo, do que retribuir aos que tanto contribuíram.
Realisticamente, prefiro me ater ao adágio da sabedoria popular: “um pai cuida de dez filhos, mas dez filhos não cuidam de um pai”. A opção do asilo se mostra inexorável, mas encontra muita resistência devido à aversão arraigada no imaginário popular, associada ao abandono pelas famílias. Cuidadores ou casas de repouso para idosos têm custos proibitivos. Dada a dificuldade, despretensioso, vislumbro solução nas associações de companheiros que se disponham a morar juntos, usufruindo do convívio fraterno, apoiando-se irmanamente, dividindo despesas, tarefas e até sentimentos, todos amparando-se mutuamente entre os amigos. Os últimos que ainda restam…