A delação premiada é um antigo meio de prova (a colaboração entre Estado e criminosos é antiga, remonta à época em que os piratas repartiam o butim com as coroas que os custeavam).
No bojo da “lava a jato”, o estado juiz tem aplicado penas de dezenas de anos em regime de prisão domiciliar. Decisivamente, tal operação está em descompasso com a legalidade.
Se por um lado, é necessário proteger bens jurídicos e a própria sociedade, de outra banda, necessário se faz evitar que o investigado, ou mesmo condenado, seja vítima do totalitarismo do Estado. A legalidade é uma proteção para o Estado e para as pessoas.
Diga-se ao leitor que as normas penais são cogentes, ou seja, não podem ser alteradas pela vontade das partes, nem mesmo em acordo feito com o Ministério Público (que, antes de acusador deve ser fiscal da lei) e homologado pelo judiciário.
Assim, a legalidade rege os pressupostos de todos os institutos do direito penal, bem como rege todas as suas consequências, em todo e qualquer caso.
No âmbito da tal operação, tem sido relativamente frequente ver penas elevadíssimas, altíssimas, aplicadas em regime de prisão domiciliar, ao fundamento de que se trata de um réu delator. Tais conclusões são manifesta e absurdamente ilegais.
A lei que rege a delação premiada (12.850) admite uma de três alternativas: 1) perdão judicial; 2) redução de pena; 3) substituição por penas alternativas.
Se as delações premiadas existem, o que se espera, minimamente, é que sejam feitas de acordo com a lei (legalidade estrita).
Há de se dizer que a prisão domiciliar, no Brasil, somente é cabível em hipóteses definidas em lei. Em momento algum a lei prevê prisão domiciliar, pelo simples fato de ser o réu, delator.
Goste-se ou não, você já concluiu que não é possível legalmente aplicar penas de dezenas de anos em regime de prisão domiciliar. Essas penas são, pois, absurdamente ilegais.
Questiona-se: qual a dificuldade de se conceder o perdão judicial ou mesmo reduzir/substituir as penas?
A legalidade estrita é malferida, ao passo em que se aplicam regimes de cumprimento de pena inexistentes, chegando-se à aberrante condenação em dezenas de anos e a concessão de prisão domiciliar. Recorde-se: todo e qualquer juiz ou presentante ministerial deve respeito às leis do país.
No âmbito da tal operação, vê-se uma inédita preocupação com a opinião pública.
A sociedade civil, então, precisa começar a perguntar: por que não se concedeu perdão judicial? Por que não se aplicaram as penas e depois as mesmas foram reduzidas, aplicando a diminuição em até dois terços?
A resposta é elementar…
Possivelmente, os adeptos do tal garantismo penal integral não aceitariam que um delator ficasse sem pena, porque isso representaria uma “proteção insuficiente de bens jurídicos”. De mais a mais, a tal opinião pública não compreenderia como um delator premiado sairia com perdão judicial. Com o perdão se colocaria fim a qualquer tipo de responsabilidade criminal.
O leitor imagina, em são consciência, que alguém delataria para assumir uma pena de, por exemplo, dez anos em regime inicial fechado? Seguramente que não. A alternativa seria um desestímulo para as delações e ai… já viu…. ninguém delataria mais….
Criou-se um remendo maldito, uma forma de manter um apelo aos desejos de delação sem que se cumpra a lei.
E qual será a consequência jurídica de tais ilegalidades para a investigação?
Bem, isso, o tempo demonstrará. Mas, se as pessoas disseram o que disseram com a promessa de um prêmio ilegal – o que se imagina possa ter ocorrido, certo é que a delação não pode ser mantida. Não se pode manter um instituto quando a consequência prometida é uma ilegalidade manifesta.
Mas isso é assunto para outro texto…
Gamil Föppel El Hireche (foto interna) e Pedro Ravel Freitas Santos (foto de capa)