A Administração Pública, em sentido amplo, tem como objetivo primordial a satisfação das necessidades essenciais ou secundárias da coletividade. No entanto, estas necessidades são cada vez maisnumerosas e abrangentese os recursos cada vez mais escassos.
Nesse cenário, uma tendência marcante consiste na conjugação de esforços e recursos entre o Poder Público e a iniciativa privada, com o objetivo de maximizar a eficácia da aplicação dos recursos econômicos e a geração de serviços públicos de qualidade.
Surge assim, o instituto das Parcerias Público-Privadas (PPP), originário da Inglaterra. Tal instituto consiste em uma modalidade de parceria entre o Poder Público e as entidades privadas com vistas à realização de grandes obras ou à prestação de serviços públicos,de responsabilidade, masnão exclusivos do Estado, por meio de concessões patrocinadas ou administrativas, em um empreendimento compartilhado entre as partes envolvidas.
No Brasil esta ideia de parceria entre o Poder Público eainiciativa privada tomou força a partir de 1990, com o lançamento do Programa Nacional de Desestatização (PND), criado pelo Decreto nº 8.031/1990, que tinha como objetivos a redução da dívida pública, a retomadados investimentos nas empresas privatizadas, a modernização da indústria e o fortalecimento do mercado de capitais Brasileiro. (Moura e Castro, 2005)
Diante de um Estado com estruturas estatais ineficientes e precárias, sem condições de realizar grandes obras de infraestrutura e de prestar serviços públicos básicos de qualidade a uma população cada ver mais exigente e necessitada, surge novos modelos de Contratos da Administração com o setor privado capaz de garantir a execução e a prestação dos mesmos.
Nessa seara, surgiram as Parcerias Público-Privadas, regulamentada com a promulgação da LeiFederal nº 11.079/2004, que instituiu as normas gerais para as licitações e contratações de parcerias público-privadas, no âmbito da Administração Pública. Muito se tem discutido a respeito da importância dos fundos garantidoresoferecidospelo Poder Público na obtenção de financiamentos dos projetos e sua efetiva manutenção.
Não obstante, o sucesso nesta modalidade de parceria depende fundamentalmente da capacidade de convencimentofundamentado de parceiros e de financiadores privados, por parte do Poder Publico, de que terá condições de honrar com suas obrigações contratuais assumidas de longo prazo, e de que, no caso de descumprimento de tais obrigações, tais parceiros e financiadores terão condições de executar de forma rápida e eficiente as garantias que lhes serão oferecidas, bem como ressarcir possíveis prejuízosdecorrentes.
Para ilustrar este modalidade de parceria, podemos citar a construção desistemas de trens urbanos, que, diga-se de passagem, possui o maior valor dos contratos assinados por setor, conforme quadro abaixo. Nesse contexto, o parceiro privadofica responsável pela execução da obra e de colocá-la e plenas condições de funcionamento, conforme as especificações estabelecidas pelo Poder Público, recebendo em contrapartida, por um longo prazo contratualmente estabelecido, uma tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da própria exploração do serviço (receitas alternativas) pela utilização das linhas de trem. Em outras palavras, a receita daquele projeto construído pelo particular, e, portanto, o seu resultado financeiro, necessário para saldar o financiamento que vier a ser obtido para sua viabilização,poderá advir detarifas pagas pelo usuário dos serviços ou de receitas alternativas, ou ainda, da conjugação de tarifa e contraprestação do parceiro público.
Fonte: Material de Leitura do Seminário Boas Práticas de PPP. Radar PPP (março/2016).
Nos termos da Lei Federal nº 11.079/2004, instituidora das parcerias público-privadas (PPP’s), destacam-se duas modalidades de concessão: patrocinada e administrativa.
Nesse instrumento legal, encontramos três diferentes categorias de contratos em que ocorre a delegação de serviço público ao usuário. Senão vejamos:
- a) concessão de serviço público ordinária, comum ou tradicional: na qual a remuneração básica decorre de tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da própria exploração do serviço (receitas alternativas); é a categoria básica prevista na Lei Federal nº 8.987/1995 e legislação esparsa sobre os serviços públicos específicos;
- b) concessão patrocinada: no qual se conjugam a tarifa paga pelos usuários e a contraprestação pecuniária da concedente (parceiro público) ao concessionário (parceiro privado); ou seja, o concessionário (a empresa que explora a atividade) recebe a tarifa do usuário e um complemento pago pela Administração; essa modalidade está prevista na Lei Federal nº 11.079/2004;
- c) concessão administrativa: a remuneração básica é constituída por contraprestação feita pelo parceiro público ao parceiro privado; encontra-se prevista na Lei Federal nº 11.079/2004.
De forma simplificada, na concessão ordinária, a concessionária recebe uma tarifa do usuário e, complementarmente, outras fontes de recursos decorrentes da exploração do serviço. Como exemplo de recursos decorrentes da exploração do serviço, podemos citar a locação de uma área pelo Poder Público na marginal de uma rodovia sob concessão. O valor do aluguel poderia servir como complemento aos recursos a serem repassados ao parceiro privado, ou ainda poderá ser utilizado como fonte de subsídio tarifário. Na concessão patrocinada, ocorrerá o pagamento de tarifa pelo usuário e um complemento pago pela Administração. Por fim, na concessão administrativa, a remuneração básica do concessionário decorre de pagamentos da Administração.
Os números mostram que no Brasil as concessões na modalidade administrativa são as que possuem o maior número de projetos por modalidade de contratos. Senão vejamos:
Total de Projetos: 483
Fonte: Material de Leitura do Seminário Boas Práticas de PPP. Radar PPP (março/2016).
Em linhas gerais o que determina o sucesso da categoria de concessão por meio de uma PPP é a origem das receitas do particular, que, poderá advir da exploração do próprio serviço colocado à disposição da coletividade ou de pagamentos por parte da Administração.
Em um País como o Brasil, em que existe certa insegurança por parte dos Governos no cumprimento de suas obrigações, sendo comum o Governo que assume um novo mandato ter prioridades adversas às de seu antecessor, pode ser comprometidomuitas vezes o cumprimento de suas obrigações contratuais. Nesse cenário, as garantias que serão oferecidas para que se tenha certeza de que, qualquer que seja o Governo, as obrigações contratuais assumidas serão integralmente cumpridas,são de extrema importância, pois os investidores terão formas de assegurar a execução do contrato.
Nos termos do art. 9º da Lei Federal nº 11.079/2004, os projetos de Parcerias Público-Privadas serão necessariamente implantados e geridos por meio de uma sociedade de propósito específico (SPE), sendo vedada à Administração Pública deter da maioria do capital votante destas sociedades.
As garantias às obrigações pecuniárias assumidas pela Administração Pública em contratos de PPP estão listadas no artigo 8º da subscrita lei, sendo elas: I – vinculação de receitas; II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público;IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; VI – outros mecanismos admitidos em lei.
A vinculação de receitas deve ser realizada observando-se as limitações constitucionais (art. 167, IV, CRFB), que impedem a vinculação da receita de impostos, podendo as garantias advir de receitas decorrentes dos demais tributos, que poderão ser vinculadas para garantir as obrigações assumidas. No caso dos fundos especiais previstos em lei, ou que sejam constituídos mediante autorização legislativa, também poderão garantir as obrigações da Administração Pública, sendo utilizadas as receitas que estejam legalmente vinculadas à realização dos seus objetivos. Quanto ao seguro-garantia, este deve ser contratado com companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público.
Em termos gerais, o seguro-garantia destina-se a cobrir os riscos relacionados ao cumprimento de obrigações por parte do segurado, no caso a Administração Pública. Ocorrendo um sinistro, a seguradora pagará ao beneficiário o valor da indenização correspondente à obrigação que não foi cumprida. Outro aspecto vantajoso do seguro é a possibilidade de designar os financiadores diretamente como beneficiários nas apólices, ao invés dos próprios parceiros privados. Curioso notar que esta modalidade de seguro, exigida pela Administração Pública em suas licitações, agora, no regime das Parcerias Público-Privadas, poderá ser oferecida pela Administração Pública em favor dos parceiros ou financiadores privados. Obviamente, tanto maior será o custo de obtenção desse seguro-garantia, quanto maior for o risco de inadimplemento do órgão da administração pública com quem se estiver contratando.
Caso a Administração Pública obtenha garantias por parte de órgãos internacionais de financiamento, tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), a Corporação Financeira Internacional (IFC), o Banco Japonês para a Cooperação Internacional(JBIC) ou a Multilateral InvestmentGuaranteeAgency (MIGA), ou ainda, de bancos privados que não sejam controlados pelo Poder Público, desde que respeitadas as regras aplicáveis ao contingenciamento de crédito ao setor público, definidas pelo Conselho Monetário Nacional e emitidas pelo Banco Central do Brasil, tais garantias poderão ser oferecidas, também aos financiadores dos projetos de Parcerias Público-Privadas.
A prestação de garantia em projetos de Parcerias Público-Privadas por fundo garantidor constituído para esse fim mereceu disposições específicas na Lei das PPP’s, que estabeleceu as regras aplicáveis ao Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP).
Em linhas gerais, a União, suas Autarquias e Fundações Públicas foram autorizadas expressamente a participar como quotistas do FGP, até o limite global de 6 bilhões de reais, integralizando suas respectivas participações com o aporte de dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal, excedentes ao necessário para manutenção do seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial.
O FGP terá por finalidade única garantir as obrigações pecuniárias da Administração Pública Federal em contratos de Parcerias Público-Privadas. Essas garantias poderão ser prestadas na forma aprovada por assembleia de quotistas, que poderá ser uma das seguintes modalidades: (i) fiança, sem benefício de ordem para o fiador; (ii) penhor de bens móveis ou de direitos integrantes do patrimônio do FGP, sem transferência da posse da coisa empenhada antes da execução da garantia; (iii) hipoteca dos bens imóveis; (iv) alienação fiduciária, permanecendo a posse dos bens com o FGP ou com agente fiduciário por ele contratado; (v) outros contratos que produzam o efeito de garantia; (vi) garantia real ou pessoal, vinculada a um patrimônio de afetação constituído em decorrência da separação de bens e direitos do FGP. (Moura e Castro, 2005)
Conforme aduz Moura e Castro (2005), como incentivo à participação dos diversos órgãos da Administração Pública como quotista no FGP, a Lei de Parcerias Público-Privadas estabeleceu que as garantias do FGP serão prestadas proporcionalmente ao valor da participação de cada quotista.Vale ressaltar que o FGP poderá prestar contra garantias às seguradoras, instituições financeiras e organismos internacionais que prestarem garantias em projetos de Parcerias Público-Privadas de seus quotistas e que:
- i) no caso de crédito líquido e certo, constante de título exigível aceito e não pago pelo órgão da Administração Pública, a garantia do FGP poderá ser acionada a partir do 45º dia de inadimplência;
- ii) o credor privado poderá acionar a garantia do FGP relativa a débitos constantes de faturas emitidas e não aceitas pelo órgão da Administração Pública, desde que não tenha sido rejeitada expressa e motivadamente no prazo de 90 (noventa) dias a contar do seu vencimento;
iii) em caso de inadimplemento, os bens e direitos do FGP poderão ser objeto de constrição judicial e alienação para satisfazer as obrigações garantidas.
Quando a Lei das Parcerias Público-Privadas determina que outros mecanismos legalmente admitidos poderão ser utilizados como garantia às obrigações da Administração Pública, identificamos uma preciosa “janela legal” que os legisladores sabiamente deixaram aberta. Isto porque a possibilidade de adoção de quaisquer mecanismos de garantias legalmente aceitos, confere flexibilidade suficiente para atender às peculiaridades de cada caso concreto.
O FGP por suas características e flexibilidade será, certamente, o mecanismo mais utilizado para a concessão de garantias e contra-garantias em projetos de Parcerias Público-Privadas, no âmbito da Administração Federal.
Vale destacar que as garantias reais e pessoais usuais no setor privado, tais como hipoteca, penhor, aval e fiança, não encontram regras favoráveis à sua utilização quando se trata de garantias prestadas pela Administração Pública. Primeiramente, pelos possíveis questionamentos quanto à possibilidade de instituição de ônus sobre os ativos (não-onerabilidade) e sua execução (impenhorabilidade). Em segundo lugar, pelo fato de que a alienação de bens públicos deverá necessariamente seguir os preceitos fundamentais contidos na Lei de Licitações Lei 8.666/1993. Entretanto, as regras que dispõem sobre o FGP, vêm exatamente buscar contornar esses empecilhos legais, criando uma “cesta” de bens e direitos, cuja disponibilidade pelo FGP para a concessão de garantias foi estabelecida quando de sua cessão para o patrimônio do fundo.
Conforme aduz Moura e Castro (2005), no que se refere aos dispositivos contratuais e outros mecanismos que se prestam à finalidade de garantia ao investidor privado, pode-se destacar, entre outros, a possibilidade de securitização de recebíveis do projeto de Parceria Público-Privada. Com relação à securitização de recebíveis do projeto, cabe mencionar que a própria Lei nº 11.079/2004, em seu artigo 23, autoriza a União a conceder incentivo, nos termos do Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social(PIPS), às aplicações em fundos de investimento em direitos creditórios decorrentes de contratos de PPP, criados por instituições financeiras.
A lei das Parcerias Público-Privadas determina, ainda, que cabe ao Conselho Monetário Nacional (CMN) estabelecer as diretrizes para a concessão de créditos destinados ao financiamento de contratos de Parcerias Público-Privadas, bem como para a participação de entidades fechadas de previdência complementar nesses projetos.
O que se quis com está leitura foi constatar que com o advento da Lei federal nº 11.079/2004, foi dado um passo importante na direção de tornar viáveis e seguros os financiamentos de projetos de Parcerias Público-Privadas,para tornar possível a realização de obras de infraestrutura tão importantes para a Administração Pública e para a sociedade em geral.
Os desafios para o modelo brasileiro de PPP’s:
O modelo brasileiro de Parcerias Público-Privadasrequer, e muito, ser aperfeiçoado, para que possa atingir de forma bem sucedida os padrões internacionais de qualidade e eficiência. Como exemplo, podemos citar a necessidade de estreitamento das relações entre a iniciativa privada e os gestores públicos, com o objetivo de aperfeiçoar a capacidade institucional degovernos e do setor privado; o apoio aos governos na busca por financiamentos e a construção de projetos; incentivar as iniciativas que promovam a troca de experiências práticas entre os gestores públicos, líderes políticos e empresários, e a criação de manuais e procedimentos em apoio aos estados e município em seus projetos de PPP’s.
No Brasil as experiências recentes nas PMI’s mostram um elevado índice de insucesso dos projetos, em torno de 85%,conforme informação levantada do Seminário Boas Práticas de PPP (março/2016), o que mostra a necessidade do aperfeiçoamento dos procedimentos dos parceiros envolvidos.
O Brasil possui um gapgigante de infraestrutura econômica e social, com uma infraestrutura limitada e mal conservada, baixa capacidade estatal de investimentos em infraestrutura, restrições orçamentárias e endividamento crescente em todos os níveis da federação (União, Estados, DF e Municípios).
Mesmo diante desse cenário, as PPP’s estão florescendo no Brasil, e talvez seja a única alternativa para muitos estados e municípios. A crise econômica e fiscal que vive o Brasil tende a impulsionar as parcerias público-Privadas, principalmente pela fragilidade das contas públicas dos estados e municípios.
O momento é propício para aperfeiçoar as capacidades institucionais dos governos e do setor privado para que tenhamos projetos de infraestrutura e de serviços públicos eficientes, duradouros e que atendam as demandasda sociedade e do parceiro privado.Enfim, são muitos os desafios a serem perseguidos entre os entes políticos, fiscais, regulatórios, e de controle externo, organizacional e humano.
Referências:
BRASIL. Constituição Federal de 1988, art. 167 inciso VI. Disponível em: <http:// http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>. Acesso em: 22 maio. 2017.
BRASIL. Normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, arts. 5º, §2º incisos I, II e II e9º, da Lei 11.079/2004. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>. Acesso em: 24 maio. 2017.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2009.
MOURA, Marcelo Viveiros e DE CASTRO, Décio Pio Borges.A importância das garantias para o sucesso da Parceria Público Privada (“PPP”). Disponível em: <http:// http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>. Acesso em: 24 maio. 2017.
Material de Leitura do Seminário Boas Práticas de PPP. Radar PPP (março/2016). Dados coletados pelo usuário credenciado, Quantum Engenharia Elétrica Ltda. Acesso em: 09 jun. 2017.
Sandro Antunes da Cruz, Secretaria de Estado da Fazenda Gerência de Administração, Finanças e Contabilidade (GEAFC)