Passados os primeiros seis meses dos novos administradores municipais, as análises começam a serem feitas, e junto com elas um uníssono gosto amargo da decepção, afinal a crise fiscal já desenhava o quadro da mais profunda decepção onde não há espaço para fazedores de milagre.
Com poucas, e honrosas exceções os novos alcaides provam de um quadro financeiro, que bem poderia ser chamado de crónica de uma morte anunciada. A crise fiscal tem seu ápice nos municípios, e é lá onde repousa a ponta financeiramente mais vulnerável do setor público.
Sem dinheiro em caixa e na maior parte dos casos sem possibilidade de recorrer a financiamentos, as prefeituras atrasam pagamentos, inclusive de salários dos funcionários, e cortam os serviços que precisam prestar. Umas reduzem o horário de expediente das repartições públicas, outras suspendem serviços ou interrompem obras. Nem assim, porém, a maioria delas consegue equilibrar suas contas. É provável que em mais de 60% dos 5.570 municípios brasileiros as administrações locais fechem o ano com déficit.
No caso dos municípios, o problema decorre da recessão, porém há outro, de natureza estrutural, que afeta ainda mais duramente suas finanças. Apenas cerca de 10% deles conseguem obter, por seus próprios meios, receita para sustentar suas despesas. Todos os demais são fortemente dependentes de transferências de outras instâncias, especialmente do governo federal. Quanto menos a administração central arrecada, menos recebem as prefeituras. Assim, a grave crise fiscal do governo central é também uma crise Municipal.
Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram que, até abril, 22,5% das prefeituras haviam ultrapassado o limite de 60% das receitas líquidas com a folha de pessoal fixado pela LRF. A lei dispõe que, nesses casos, as prefeituras não poderão receber transferências voluntárias nem contratar empréstimos que não se destinem à redução de despesas com pessoal.
Muitas prefeituras deixaram de recolher contribuições previdenciárias, cuja dívida cresceu 181% desde 2009 e alcançou R$ 100 bilhões. A União pode reter a parcela do FPM dos devedores, o que tende a agravar o problema dos municípios.
Os problemas são comuns a praticamente todas as cidades, são prefeituras com a máquina administrativa pesada, onde o servidor de carreira foi sendo substituído por servidores comissionados nada vocacionados, e que mudam junto com o mandatário de plantão, provocando uma permanente descontinuidade dos padrões diretivos de gestão pública. Com cerca de 200 milhões de habitantes, no Brasil há 600 mil cargos em comissão ocupados por particulares sem qualquer tipo de concurso público, nos três entes Federativos (União, Estado e Municípios), considerando dentro deste número os três poderes (executivo, Legislativo e Judiciário).
Para os servidores efetivos a regra é sempre o concurso público, art. 37, II, CF, e logo os cargos em comissão, devem preferencialmente ser transitórios.
É de se destacar que a Emenda 19/98 tentou corrigir essa perversão do sistema, ao alterar o inc. V, art. 37, CF, porém o resultado foi infrutífero, ainda que a mesma determinasse que um percentual mínimo dos cargos em comissão fossem ocupados por servidores concursados, mas poucos Estados e Municípios, e também a União, legislaram para dizer qual seria este percentual mínimo. Por certo, em verdade, o que ocorre no Brasil, em muitas vezes é uma prática imoral, realmente contrária ao princípio da moralidade, este insculpido no art. 37, caput, CF, de se lotear cargos públicos que deveriam ser ocupados apenas por servidores públicos concursados, um desestímulo à muitos servidores de carreira.
Nesse momento, os governos estaduais e as prefeituras, já respondem por cerca de 40% do gasto público total, lembrando que nos anos 80, o déficit das contas de Estados e Municípios representavam apenas 25% do total do déficit consolidado.
O mais fantástico é que é que entre 2008 e 2015, os gastos com pessoal e encargos dos Estados e Municípios saltou de 3,7% para 5,2% do PIB, ou seja um aumento real de 40,5%, e do outro lado da conta o investimento caiu de 0,8% para 0,5% ou seja de tudo que se arrecada por esses entes apenas 0,5% vai para investimento.
O Serviço Público caminha na contramão das necessidades da sociedade, numa velocidade avassaladora, pois sem uma intervenção urgente nessa direção, os homens públicos, pouco ou quase nada terão para inaugurar, sendo que o fim do Serviço acaba por se encerrar no servidor.
Reduzir a máquina e recuperar a capacidade de investimento será a chave para os homens públicos com projeto de Estado, ainda que estes estejam em falta.
As parcerias, independentemente do modelo adotado, seja PPPs ou concessões, devem ganhar velocidade, em resposta ao movimento paquidérmico Estatal, que muito cobra do cidadão e pouco lhe devolve.
É precise refundar o sistema de financiamento do serviço público, que não pode estar sempre dependente do modelo tributário atual, visto que à muito a capacidade contributiva do cidadão foi exaurida, fazendo com que a carga atual beira os limites do confisco.
A redução da máquina, e a busca pela eficiência em fazer mais com menos é uma obrigação do administrador público, já prevista na Magna Carta:” Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípíos de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
Entender o momento, exige apenas matemática simples, veja por exemplo o modelo previdenciário dos servidores, considerando uma base de contribuição de 12% + 12% do patrocinador qualquer fundo municipal levaria quatro meses para reunir um mês de benefício, porém, o benefício após a aposentadoria é o valor do ultimo vencimento, ou seja o recolhimento é progressivo, e o benefício é no teto, soma-se a isso um aumento médio do tempo de vida perceberíamos que o déficit desse fundo só tende a aumentar com o tempo.
Se isso não bastasse imagine que o quadro de servidores, considerando um tempo médio de aposentadoria, todo ano acaba por aposentar cerca de 4% do seu efetivo, logo a cada 10 anos, imaginando que essa posição de trabalho seja reposta, as despesas com pessoal crescem mais de 40%, isso de crescimento real.
Para que essa conta feche a arrecadação municipal precisa crescer cerca de 4%, descontada a inflação, anualmente, por isso é que quando o Brasil para de crescer o déficit das contas municipais explodem.
Evidentemente que as contas acima são por aproximação, e não levam em consideração algumas variantes que deixariam esses números ainda piores.
Evidentemente que nesse momento de crise, é sempre mais fácil encontrar um culpado, mas não existe remédio sem que todos os afetados tomem, ou seja corte dos benefícios e aumento da carga.
Por mais antipático que seja no curto espaço sempre será através do aumento da carga, fugir disso é apenas protelar o remédio.
Não existe milagre, por mais eficiente que seja o prefeito eleito, logo a reforma que não se faz hoje será mais dura nos próximos anos.
Até lá a população verá a queda na qualidade dos serviços públicos, as obras públicas desaparecerem, os salários dos servidores atrasarem, e o Prefeito postando vídeos no Facebook cada vez que tapa um buraco ou limpa uma rua.
Charles Machado, Diretor