Em SC, especialistas debatem regras para proteger os seres humanos em pesquisas científicas
Integridade e aprimoramento moral na pesquisa biomédica: estes são os temas norteadores do II Encontro Luso-Brasileiro de Bioética, que teve início nesta quinta-feira (14), em Florianópolis (SC). Organizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), com o apoio do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (Cremesc), a atividade que conta com mais de 200 inscritos, termina nesta sexta-feira (15), quando será feita a leitura de um documento aprovado pelos participantes com recomendações à comunidade científica e aos governos.
“Trata-se de relevante evento para a comunidade lusófona, durante o qual nomes reconhecidos pela excelência de seu trabalho, no Brasil e no exterior, nos ajudarão a aprofundar reflexões sobre questões, como a influência da indústria de farmacêutica no campo da pesquisa e a evolução das normas nacionais e internacionais sobre o tema”, destacou José Hiran Gallo, coordenador da Câmara Técnica de Bioética do CFM, responsável pela organização do evento.
Humanos – Na abertura do II Encontro, o presidente do CFM, Carlos Vital, pontuou que, “apesar da falta de estímulos, a realização de pesquisas com seres humanos representa preocupação no Brasil, um país que vivencia enorme desigualdade econômica, educacional e social. O mesmo acontece em outras nações de língua portuguesa, em especial as do continente africano, onde as iniquidades são até mesmo mais evidentes”.
Segundo afirmou, cientes desses traços comuns indesejáveis, há cerca de duas décadas pesquisadores dos países que falam português têm trabalhado pela construção de uma bioética que respeite as peculiaridades desses cenários socioculturais característicos. Destacando a parceria entre o CFM e a Universidade do Porto (Portugal), o professor Rui Nunes, diretor do Programa Doutoral em Bioética, ressaltou que o CFM tem sido incansável no trabalho em prol de debates que valorizem os princípios éticos e bioéticos na prática médica e nas políticas públicas.
Reflexão – Na avaliação de Anastácio Kotzias, conselheiro federal pelo estado de Santa Catarina, este encontro possibilitou uma reflexão oportuna e atual sobre o aprimoramento moral na condução de pesquisas científicas no País, o que, conforme ressaltou, tem levantado preocupações de Norte a Sul. Como ele, compartilha da mesma opinião Roberto Luiz d’Ávila, ex-presidente do CFM e membro Câmara Técnica de Bioética, que também esteve na mesa da solenidade de abertura.
Dessa rápida cerimônia também participaram Marcelo Linhares, presidente do Conselho Regional de Medicina do estado (Cremesc), o qual recebeu agradecimentos do CFM pelo empenho no apoio à realização do II Encontro, e Lincoln Ferreira, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB).
Reconhecimento – Ainda durante a abertura, houve a entrega de homenagens. Pelo compromisso com a bioética e pelos relevantes serviços prestados aos médicos e à sociedade brasileira, os doutores Gerson Zafalon, Cristina Maria Nunes e Mário Paulo Canastra Maia receberam placas comemorativas entregues pelo CFM.
Na sequência, abrindo os trabalhos do II Encontro, o professor Rui Nunes realizou a conferência “Influência da indústria de fármacos na pesquisa biomédica”, durante a qual destacou que “há enormes desafios em relação à ciência, ciência médica e biomedicina, estando a indústria farmacêutica no centro desse processo, que se traduz também em negócios”.
Vigilância – Diretor do Programa Doutoral em Bioética e ocupante da Cátedra da Unesco em Bioética, ele disse que as indústrias farmacêutica e tecnológica estão debruçadas na busca de avanços em robótica, inteligência artificial, pró-longevidade, engenharia genética, tecnociência aprimoramento e melhoramento genético. Como ele alerta, essas frentes exigem vigilância da comunidade científica internacional.
“Se a tecnologia é financiada pelas indústrias, sobre as quais não temos controle, temos que intervir como médicos na aplicação seguindo o Código de Nuremberg e as nossas regras éticas e bioéticas em defesa de nossos pacientes, da dignidade da pessoa humana. Pois um cientista médico não pode perder seu Norte: respeitar os direitos individuais com integridade profissional, que se sobrepõe aos interesses da ciência”, acrescentou.
Pandora – Na avaliação de Nunes, “alterar a condição humana através de aprimoramento e melhoramento genético para, supostamente, benefício de indivíduos e daqueles que ainda irão nascer, é uma caixa de pandora. Corretamente, a Unesco declarou que o genoma humano é patrimônio comum da humanidade e, ainda assim, na China, já vimos a alteração do genoma de embriões que deram origem a duas meninas, contrariando o que está definido. Atualmente, vemos uma reformulação da eugenia, quando pais condicionam o melhor capital genético disponível ao nascimento de seus filhos”.
Em sua conclusão, ele indicou que a defesa da educação bioética, da autonomia, do respeito pelo ser humano, do consentimento informado e do maior rigor na regulação de ética é o caminho para definir os limites na pesquisa com seres humanos. Na perspectiva de aperfeiçoar esse processo, Rui Nunes concluiu instigando os participantes do II Encontro Luso-Brasileiro de Bioética: “cabe a pergunta: o que é melhorar?”.