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A-BRAÇOS PARA O RIO GRANDE

Silvio Luzardo, professor e escritor
siluzardo@gmail.com
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Das águas que nos surpreendem, que saem dos leitos para nos acordar no meio da noite; das intempéries que nos afligem, nos expulsam das casas que construímos com o suor de todos os dias; das repentinas mudanças dos rios que nos acompanham e de repente nos impulsionam para os abrigos da emergência de nossas fragilidades; dos implacáveis danos que afetam as nossas economias, bens, vestuários, emprego e afazeres; dos incontáveis momentos em que esperamos o socorro sobre muros, árvores e telhados, nossos cais precários; do flagelo que transita na alma mergulhada em desesperança e passa a habitar o despertar das manhãs, o medo de soçobrar no lamaçal das ondas furiosas; dos dias brumosos que se sucedem sem perspectiva de anunciar o tempo das soluções definitivas…
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Das margens de nossos limites descobrimos a dura hora da renúncia; do abandono irredutível de nossos pertences lançados nas doidas correntes das águas barrentas, das sequelas que se seguem ao fecharmos a porta de nossos lares; da inquietude que impera quando percebemos que mais um capítulo se sucede a nada impede que as ondas ocupem o lugar que a natureza lhes reservou; da nossa urgência em salvaguardar a vida da família, a mais preciosa joia de nossa existência, quando não nos basta pernas para correr, nem braços para nadar, precisamos de quem nos encontre e nos ajude, que estenda sua mão, que nos acolha com o calor do seu a-braço, que seja um anjo salvador.
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Das esperanças que se diluem numa fração descabida e surpreendente, da força que encontramos para suprir nossas necessidades, das vestes molhadas que cobrem nosso corpo amuado, dos caminhos que somos obrigados a desvendar na escuridão das tormentas, da expectativa enganosa que o mundo líquido nos resguarde de sua destruição, da imperiosa e sempre inquieta solidão de que estamos sós, dispondo apenas de Deus de companhia; da nossa fragilidade ao nos confrontar com a natureza quando ela resolve quebrar suas regras e nos mostrar-se impiedosa.
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Quer nas tragédias, nas rupturas do clima austero, quer nos desígnios da fatalidade que nos afetam, surge o alento e a presença dos seres iluminados; aqueles que a natureza divina colocou asas invisíveis, que lhes povoou com a bondade e atitude altruística, que se doa sem esperar nada em troca; que lhes concedeu a beleza intangível de estender a mão, que se coloca no lugar dos que precisam; que independente da sua idade e status se torna incansável e forte ao salvar vidas; que utiliza inventiva caseira, como um improvisado barco, para socorrer e transportar quem está à perigo; ou da sua casa que se torna um abrigo dos desconhecidos.
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Quer no sufoco das esperas inquietas surgem os a-braços que de longe se aproximam e nos envolvem; os a-braços que socorrem as nossas últimas forças e nos acalentam com suas palavras de ânimo, os a-braços que surgem solidários e recolhem nossas lágrimas de agradecimento, nos animam à terra firme dos abrigos improvisados que nos protegem; os a-braços de solidariedade que se unem à nossa tragédia e, de longe ou perto, nos ajudam no anonimato de suas contribuições para o recomeçar; para seguir a vida, para levantar cedo para o trabalho, para alimentar nossa prole, para garantir nosso salário, para reconstruir o que perdemos, para ter um amanhã que nos espere sorridente e cheio de luz.
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A-braços, muitos abraços, para o Rio Grande porque ele precisa de nós!

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