Julio Cesar Marcellino Jr., Doutor em Direito, professor universitário e advogado.
A história humana é marcada por crises e turbulências. Catástrofes naturais, epidemias, escassez de alimentos, conflitos e guerras sempre desafiaram o homo sapiens na sua longa jornada em busca de sobrevivência e da paz. A condição de existência digna quase sempre exigiu das pessoas muita resiliência e superação.
Desde a revolução industrial a tecnologia se impõe como um fenômeno fundante e que redimensionou as relações interpessoais. Claro que os avanços tecnológicos anteriores também foram importantes, a exemplo da revolução copernicana, surgimento da imprensa e dos descobrimentos marítimos. Mas o fato novo aqui, e sem precedentes, é o fenômeno da tecnologia em meio a formação da sociedade de massas.
De lá para cá, tem-se testemunhado a consolidação de um modelo de crescimento econômico, social e político único e com características próprias. Trata-se de um movimento em que a tecnologia deixou de ser uma coadjuvante em sociedade para ser a própria matriz do sentido de ser contemporâneo. Do antigo e clássico rádio à internet e às mídias sociais, percebe-se uma guinada com forte impacto psíquico e comportamental.
Gerando uma nova percepção do tempo e do espaço, a instantaneidade do mundo digital coloca a vida em constante e desordenado movimento. Nossos padrões tradicionais de estabilidade e equilíbrio da vida se esvaem dia a dia. A ideia de longo prazo morreu diante do atual quadro de permanentes mudanças e transformações.
A tomada de decisão e as escolhas racionais não podem mais ser empreendidas sob os velhos padrões. Estamos sob novas coordenadas e é preciso se dar conta disso. Há um estado de latência vigente em que o que prevalece é a desorientação, o aleatório.
Tudo recrudesceu com o processo recente de deslegitimação das fontes de verdade. As Universidades e a imprensa profissional não se apresentam mais como canais exclusivos da linguagem de coerência. Tudo pode ser questionado na arena cibernética e nas mídias sociais. Como se viu recentemente no enfrentamento à pandemia, nem a ciência passou imune por este processo de incredulidade e desconfiança.
Em meio a esse estado de coisas, necessário sermos mais flexíveis, tolerantes, criativos e cooperativos. Não há mais como esperar grandes concertações político-econômicas ou codificações ou planos administrativos que digam às pessoas o que fazer a longo prazo. A capacidade de improviso e de adaptação se tornou a principal qualidade para sobreviver nesse mundo de competição acirrada e pouca alteridade.
(Artigo publicado no Estadão, política.estadao.com.br, em 30/08/2022)