Vamos acabar de uma vez por todas com a insegurança que toma incomoda nossa comunidade: a orla da lagoa da conceição nunca foi nem será terreno de marinha. Você que tem um terreno na beira da lagoa já deve ter se incomodado um bocado com SPU, Laudêmio e RIP. Esses são nomes que você nem deveria conhecer, mas infelizmente já deve ter ouvido falar pois a burocracia e os burocratas no Brasil não descansam.
A Origem:
A lei que cria os terrenos de marinha e seus acrescidos é o Decreto 9760 de 5 de setembro de 1946, um ano após o final da segunda guerra, durante o Governo de Eurico Gaspar Dutra, 13 dias antes do catarinense Nereu Ramos ter sido eleito Vice-Presidente.
A lei diz exatamente o seguinte:
Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:
a) os terrenos de marinha e seus acrescidos ;
…
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.
Então vamos entender. O que já sabemos é que a partir da tal linha do preamar-médio de 1831 (como saber onde andava esta linha é outra cousa) conta-se 33 metros para o continente e isso é patrimônio do governo federal. O artigo 2º deixa bem claro que é necessário a influência de maré para ser considerado área de marinha. O artigo 3º trata dos acrescidos, por exemplo aterros.
Como era a lagoa na época dessa lei?
Pois bem, em 1946 ou 1831 a Lagoa da Conceição era uma porção de água doce, que se abria para o mar em situações de muita chuva. Uma represa que extravasava. É o mesmo que ocorre atualmente na Lagoa de Ibiraquera, em Imbituba.
Foto: Escavadeira abrindo artificialmente o canal da barra antes da construção do molhe.
Tal situação de isolamento permanecia na maioria do tempo, especialmente nas épocas secas do ano. Ora, se a lagoa é um corpo hídrico que vaza água doce ao mar quando cheia, permanecendo isolada na maior parte do ano, como pode ser afetada pela maré?
Entre 1982 e 1985 foi construído o molhe da do canal, por pressão política da comunidade pesqueira da Barra da Lagoa. Ora, era um transtorno imenso ficar com as embarcações presas dentro da lagoa, e portanto a construção do molhe se justificou.
Digamos que seja então que vamos analisar a partir da consolidação do Canal da Barra com o molhe. Ou seja, que há uma conexão da Lagoa com o Mar perene, ainda que a lei de 1946 determinando a preamar 1831 seja ignorada. O que acontece com a Lagoa hoje?
Dados de maregráficos, obtidos por uma estação automática a cada 10 minutos, de 24/02/2013 a 22/07/2014 mostram que não há essa variação de 5 centímetros a cada 6 horas. Precisamente, segundo minha análise estatística, essa variação é de 4 centímetros, em média. Essas medições foram feitas na boca insular do canal da barra. Isso significa que em regiões mais distantes como o centrinho, a costa ou a lagoa de baixo essa influência é ainda menor. Minha análise não excluiu os efeitos de pluviosidade e maré meteorológica (que nada tem a ver com a Luni-Solar dita na lei). Fazendo essa análise, seria menor ainda essa influencia medida em 4 centímetros. Deixo essa análise mais criteriosa para os Oceanógrafos, ficando minhas contas aqui apenas como um desafio. Essas análises feitas por especialistas e com mais critério podem indicar inclusive que não há terra de marinha nem mesmo no Canal, que é um filtro de maré.
Legenda: O gráfico acima mostra em azul a variação da maré em centímetros. A Linha preta mostra a tendência. A média das variações é de 4 centímetros a cada 12 horas. Essa análise é corroborada pela dissertação de mestrado do Sr Fabio Bertini Godoy, intitulada “MODELAGEM HIDROLÓGICO-HIDRODINÂMICA DA LAGOA DA CONCEIÇÃO – SC”. Descreveu ele na página 9: “Percebe-se que tanto na situação de sizígia quanto na quadratura a redução da altura da onda de maré é da ordem de 95%, proporcionando variações no interior da laguna da ordem de 5cm”.
Ou seja, para nenhum critério legal, a Lagoa deveria ser incorporada a essa loucura chamada terras de marinha. Mais absurdo ainda é o Governo Federal querer vender algo que não é seu.
Notas técnicas: Os dados utilizados são do Laboratório de Oceanografia Costeira, da UFSC. Este artigo não tem a pretensão de servir como base teórica/científica, mas pretende propor essa discussão para os cidadãos afetados por tamanha arbitrariedade.