O Centenário do Dr. Carlos Moritz
Há exatos 100 anos o céu presenteou Brusque com uma pessoa singular, um líder que mesmo galgando os mais elevados cargos públicas, como Prefeito pelo período de um lustro e três vezes chefe do Poder Legislativo, com humanidade e ternura serviu a comunidade.
Fruto do matrimônio que contraíra com Aloys Moritz, dona Justina Petruscky Moritz deu à luz seu filho Carlos em 23 de junho do ano da graça do Senhor de 2016, na Vila Brusque: a sede do Município seria elevada à categoria de cidade somente em 23 de novembro seguinte.
Dias de expectativa e inquietude, pois o exército do kaiser Wilhelm II (Guilherme II, Imperador Alemão e Rei da Prússia) fora colocado frente-a-frente com as tropas francesas, de 21 de fevereiro a 18 de dezembro daquele ano, na batalha de Verdun, a mais longa da Primeira Guerra Mundial. Estimativas recentes indicam 976 000 mil vítimas fatais. E a exemplo de centenas de outras famílias, também os Moritz acompanhavam a tragédia que envolvera a “pátria mãe”, através das notícias veiculadas pelos hebdomadários “Brusquer Zeitung” e sua versão em língua vernácula, o “Gazeta Brusquense”.
Após séries iniciais cursadas na escola católica precursora do Colégio São Luiz de Brusque, Carlos Moritz continuou seus estudos, em 1930, no internato do Colégio Santo Antônio, da Ordem dos Frades Franciscanos, em Blumenau.
Em 1930 o conflito se aproximara do lar. Brusque fora tomada por tropas da Aliança Revolucionária Liberal, em 13 de outubro. No mesmo dia depuseram o primeiro Prefeito de Brusque, Augusto Bauer (denominação adotada com a reforma da Constituição Estadual promulgada em 27 de julho de 1929, de iniciativa do governador Adolpho Konder) e deram posse a Rodolfo Victor Tietzmann.
Publicação do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina informa que Carlos Moritz “em 1935 prestou concurso vestibular para a Faculdade de Medicina em Curitiba. Aprovado no concurso, mudou-se para aquela cidade onde permaneceu até o quarto ano do Curso, quando se transferiu para o Rio de Janeiro. Concluído o curso de Medicina em 1940, obteve, como era a forma da época, habilitação para desenvolver as especialidades de Cirurgião, Clinico Geral, Obstetrícia e Ginecologia. Depois de formado trabalhou em várias cidades, dentre as quais, Porto Alegre. Contudo, não conseguiu resistir ao pedido de seu pai, regressando a sua cidade natal, onde fixou residência. Casou-se com Ruth de Sá, natural do Rio de Janeiro, no dia 20 de maio de 1942. Do casamento tiveram sete filhos: Carlos Moritz Filho, Pierre Moritz, Aloys Moritz Neto, César Moritz, Maria Cristina Moritz, Rogério Moritz e Maria Teresa Moritz. Nos anos em que se dedicou a medicina, participou de muitos cursos e Congressos, pelo estado, país, e pelo mundo, sempre querendo aprender mais e trazer novas técnicas. A medicina foi sua grande e verdadeira paixão”.
Com o final da Segunda Guerra Mundial e o “Estado Novo” de Getúlio Vargas, a redemocratização se põe em marcha. Eurico Gaspar Dutra é eleito presidente da República e Assembleia Nacional Constituinte promulga nova Constituição Brasileira em 18 de setembro de 1946, assegurando: igualdade perante a lei, ausência de censura, garantia de sigilo em correspondências, liberdade religiosa, liberdade de associação, extinção da pena de morte e separação dos três poderes.
Juntamente com Guilherme Renaux, João Kormann, Euclides da Silva, Ewaldo Schaefer, José da Costa Miranda, Carlos Boos, Germano Quirino Barni e Otto Niebuhr,
Dr. Carlos Moritz é eleito vereador pela União Democrática Nacional (UDN) e empossado em 20 de dezembro de 1947, para mandato até seis de fevereiro de 1951, sendo que no último ano presidiu o Poder Legislativo municipal.
Para a legislatura de 1951 a 1954, foi reeleito Dr. Carlos Moritz, sendo a Câmara Municipal também integrada por Ingo Arlindo Renaux, Alexandre Merico, Pedro Boeing, Paulo Lourenço Bianchini, Alfredo Augusto Otto Koehler, Pedro Morelli, Oswaldo Niebuhr, Edmundo Schlindwein, Aníbal Diegoli (que foi eleito Prefeito de Brusque pela Câmara, para o mandato de 13 de novembro de 1954 até 31 de janeiro de 1956), Júlio Will e Bento Thiago Cadore (suplente, que assumiu a titularidade). Pela segunda vez, Dr. Carlos Moritz foi eleito e exerceu a presidência da Câmara Municipal (de 1º. de fevereiro de 1953 a 31 de janeiro de 1954).
“Prefeito do Centenário”
Brusque, no limiar da comemoração do primeiro centenário de instalação da colônia Itajahy, que deu origem ao nosso município, de forma pulsante e vigorosa organizou os diversos segmentos existentes para uma condizente celebração, tendo como líder maior Ayres Gevaerd.
Para a construção da nova Igreja Matriz São Luís Gonzaga, o Pároco, padre Luiz Gonzaga Steiner-SCJ, nomeou, em 1952, uma comissão aprovada pelo arcebispo Dom Joaquim Domingues de Oliveira, constituída pelo Dr. Guilherme Renaux (presidente), Otto Schaefer (vice-presidente), Professor e Contador Érico Antônio Contesini (tesoureiro), Dr. Ivan Walendowski (Engenheiro), Dr. Carlos Moritz, Aderbal Schaefer e Oscar Gustavo Krieger (Secretário).
A visão de Ayres Gevaerd de que a história, os valores e princípios que constituem uma comunidade em muito transcendem aos interesses de um grupo político, de um governo, foi decisiva para a organização dos festejos do “Centenário de Brusque”, com a constituição da Sociedade Amigos de Brusque-SAB, em 4 de agosto de 1953, congregando as principais lideranças de Brusque: no campo religioso o monsenhor Afonso Niehues (posteriormente Arcebispo Metropolitano), o padre Raulino Reitz (como cientista, recebeu o Prêmio GLOBAL 500 da ONU, conferido aos ambientalistas mais destacados do mundo), empresariais como o Dr. Guilherme Renaux (um dos principais líderes da Confederação Nacional da Indústria) e seu filho Ingo Arlindo Renaux, Horst Schloesser (talvez o mais próximo colaborador de Ayres), Cyro Gevaerd, Dr. Carlos Moritz, Antônio Heil (Neco), Prefeito Mário Olinger e Anibal Diegoli, e culturais, como o maestro Aldo Krieger.
Assim, para a fundação da SAB, compareceram no Salão do Tribunal do Júri do Fórum da Justiça estadual da Comarca de Brusque, no pavimento superior do prédio da Prefeitura, Padre Luiz Gonzaga Steiner, Arnoldo Bauer Schaefer, Egon Geraldo Tietzmann, Oscar Gustavo Krieger, Tasso Rodriguez da Cruz, Otto Niebuhr, lngo Arlindo Renaux, Luiz Strecker, Érico Krieger, Alfredo Koehler, Dr. Carlos Moritz, Aldo Krieger, José Vieira Corte, Euvaldo Schaefer, Adolfo Walendowsky, Lauro Mueller, Padre Eloy Dorvalino Koch-SCJ, Roberto Hartke, Horst Schloesser, Rodolfo Victor Tietzmann, Remaclo Fischer, Bernardo Starck, Walmir Diegoli, Armando Euclides Polli, Arno Ristow, Monsenhor Afonso Niehues, Padre Raulino Reitz, Dr. Belizário N. Ramos, Antonio Teixeira Dias, Antonio Heil, Anibal Diegoli, Arthur Appel, Erico Appel, Guilherme Renaux, José Boiteux Piazza, Cyro Gevaerd, Mário Olinger, Jorge L. Malty, Guilherme G. Niebuhr, Ayres Gevaerd, Axel Krieger, André Brunneiser, João Antonio Schaefer – Dr. Nica, o Rotary Club de Brusque e a Sociedade Musical Concórdia.
Mas e quem seria o “Prefeito do Centenário”? O historiador Ayres Gevaerd chegou a ser convidado para ser o candidato de consenso. Mas a rivalidade das forças políticas locais não permitiu o avanço da candidatura única.
Sob os auspícios do industrial Guilherme Renaux – Dr. Willy Renaux, um dos fundadores e presidente da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina – FIESC, é fundando o jornal O Município, em 26 de junho de 1954, que juntamente com a Rádio Araguaia de Brusque (única emissora da região), formaria o mais poderoso complexo midiático até então formado para apoiar uma candidatura a Prefeito: o industrial Ingo Arlindo Renaux (PSD), neto do Cônsul Carlos Renaux e filho do Dr. Willy.
Já a UDN lança o Dr. Carlos Moritz, que teve como um dos principais cabos eleitorais o Padre Luiz Gonzaga Steiner-SCJ, pároco da Paróquia São Luís Gonzaga (única de Brusque). Não a Igreja Católica como um todo, pois Padre Guilherme Kleine (originário da Alemanha) e o Monsenhor Harry Bauer, neto de João Bauer e filho do brusquense Leopoldo Bauer e de Evelina Guerreiro, cerraram fileiras com Ingo Renaux. O próprio arcebispo Dom Joaquim possuía uma “quedinha” pelo PSD do Dr. Willy Renaux e Nereu Ramos.
Relata o historiador eclesiástico padre José Artulino Besen que em 29 de setembro de 1955, carta assinada por tradicionais líderes brusquenses lamentava a posição (de Dom Joaquim) proibindo Mons. Bauer de fazer campanha pelo candidato do PSD Dr. Ingo Arlindo Renaux, enquanto que “Mons. Librelotto se hospedava na casa paroquial de Brusque e chegava a rezar quatro Missas por dia no interior, em seguida convidando o povo para comício”. Isso era usado na imprensa brusquense para dizer que o Arcebispo não apoiava Ingo Renaux. Dom Joaquim, evidente, sentiu o golpe, pois prezava, e muito, a família Renaux. Responde de modo indireto, escrevendo em 29 de setembro de 1955 a Pe. Guilherme Kleine, ecônomo de Azambuja, explicando que Mons. Bauer “não estava na casa paroquial porque não se apresentara, invadiu a área, e Mons. Librelotto visitou o vigário”. A Carta de Dom Joaquim foi publicada na íntegra na capa da edição de O Município que antecedeu o pleito de 3 de outubro de 1955, com destaque: “…sobre a pessoa do snr. DR. ARLINDO RENAUX… estou que, no que lhe toca, nada se possa opor à votação dos católicos e mesmo dos amantes do progresso e trabalho honesto que tanto aprimora e recomenda a sua ilustre Família”. Em 4 de outubro de 1955, Dom Joaquim escreve a Dr. Guilherme Renaux, pai de Ingo, lamentando o acontecido.
E as urnas falaram em 3 de outubro de 1955. E a mágoa da família Renaux foi grande, pois Ingo perdeu para Dr. Carlos Moritz por 174 votos.
Certamente a eleição do “Prefeito do Centenário” foi a mais renhida da história de Brusque, mas a menor diferença de votos entre os candidatos a Prefeito deu-se na eleição de 3 de outubro de 1965, escrutinados na sede do Clube Atlético Carlos Renaux, no dia seguinte a eleição: 20 votos pró Neco Heil na disputa contra Alexandre Merico (resultado final oficial do TRE, apesar de alguns dizerem que o grafite embaixo da unha decidiu a eleição: Hilário Bernardi 261 votos, Antônio Heil – Nêco 4.850 votos e Alexandre Merico 4.830 votos).
Nos vários encontros que mantive com o Dr. Carlos Moritz, dos muitos fatos por ele relatado, um compartilho no seu centenário de nascimento: juntamente com o candidato apoiado pela UDN para o governo do Estado, na eleição de 1955, Jorge Lacerda, Dr. Carlos Moritz se aventurou numa viagem até o distrito do Itaquá. Naquele Distrito de Brusque jamais um adversário do chefe político local, o agrimensor e vereador José da Costa Miranda (PSD) teria feito campanha. Considerado fundador do hoje município de Presidente Nereu, Miranda controlava os votos e no dia seguinte a eleição trazia pessoalmente a urna para Brusque. Alguns relatos afirmam que “para maior clareza” um revolver era posto no dia da votação numa mesa próxima ao local de votação, onde os votos, impressos previamente em gráfica com os nomes dos candidatos já assinalados, eram depositados pelos eleitores. Dr. Carlos me assegurou que o candidato Jorge Lacerda ouviu sua recomendação: “não prometas a construção de nova estrada de Brusque para Itaquá, mas que melhorarás a já existente”.
Também para o governo de Santa Catarina, em 1955 foi uma das mais disputadas eleições. Entre Lacerda e o segundo colocado, o candidato Francisco Gallotti (PSD), a diferença foi de 0,91%, superior apenas à eleição de 2002, quando Luiz Henrique da Silveira elegeu-se governador derrotando Esperidião Amin por apenas 0,68%. Já para a presidência da República o PSD foi vitorioso em 1955, com o mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira, o JK, também um médico, a exemplo de Moritz.
Apae e Samae
Dr. Carlos Moritz e esposa Ruth de Sá Moritz sentem a necessidade de educar o filho Pierre em uma perspectiva educacional. Em contato com o MEC, no Rio de Janeiro, trouxeram a orientação de formar uma APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais que teria como objetivo construir uma escola para crianças deficientes mentais.
Dr. Carlos liderou um movimento para aquisição do terreno e construção da escola que funcionaria nos moldes do Instituto Santa Lúcia do Rio de Janeiro. Em reunião realizada na residência do casal Moritz, no dia 14 de setembro de 1955, com a participação de Dr. Carlos Moritz, Oscar Gustavo Krieger, Cyro Gevaerd, Bruno Moritz, Ayres Gevaerd e Bruno Maluche foi fundada a Apae de Brusque e constituída a primeira Diretoria “provisória”, tendo como presidente, Dr. Carlos Moritz. Hoje, Pierre Moritz, com seus 71 anos, continua frequentando a Apae em período integral.
Outra memorável realização vincula-se ao saneamento básico de Brusque. Ao iniciar seus serviços como médico em Brusque, Dr. Carlos Moritz constatou alto índice de verminose, problemas de dentição e falta de hábitos adequados por parte da população, tudo em virtude da falta de saneamento básico no município. Eleito prefeito, buscou os recursos junto ao governo federal para iniciar seu projeto de tratar e distribuir água a população. O nosso Samae.
Ao lado do grande timoneiro do Centenário Ayres Gevaerd, o prefeito Carlos Moritz conduziu os festejos com extremo zelo e dignidade. Sua liderança junto a comunidade foi relevante para a eleição do sucessor Cyro Gevaerd, também da UDN, em 3 de outubro de 1960.
Foi eleito vereador pela terceira vez em 1962, integrando a quinta legislatura após o Estado Novo, de 31 de janeiro de 1963 a 31 de janeiro de 1967. Juntamente com o Dr. Carlos Moritz, a Câmara era composta por cinco vereadores do PSD: Antônio Heil, José Germano Schaefer, Ingo Arlindo Renaux, Arno Ristow e Arthur Jachowicz, quatro da UDN: Kurt Schlösser, Alexandre Merico, Carlos Moritz e Orlando Münch e dois do PTB: Dr. Antônio Luiz da Silva e Dr. Germano Hoffmann. Para presidir a Câmara Municipal de Brusque, em 1966 foi o Dr. Carlos Moritz eleito presidente pela terceira vez.
Nos dias que se seguiram as eleições de 3 de outubro de 1972, múltiplos festejos e carreatas marcavam a vitória dos “manda brasas” em Brusque. Fora eleito César Moritz (prefeito) e Antônio Abelardo Bado (vice-prefeito), ambos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido político que uniu os opositores do Regime Militar de 1964 ante o poderio governista da Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Penso que o pai do Prefeito eleito é que foi o grande eleitor, ao lado da força da oposição ao Regime Militar em Brusque.
A liderança do Dr. Carlos Moritz perdurou por décadas em Brusque. No ano da graça do Senhor de 1982, foi convocado pelo PDS para concorrer novamente ao cargo de Prefeito, tendo por vice Manfredo Hoffmann. Mas chegara a vez de outro médico. O Dr. José Celso Bonatelli e seu vice Zeno Heinig foram eleitos em 15 de novembro do mesmo anos, com decisivo apoio do industrial Carlos Cid Renaux, primo irmão de Ingo Arlindo Renaux.
O eminente médico, músico e líder político Carlos Moritz, faleceu na tarde de uma quarta-feira, dia 23 de abril de 2003, aos 86 anos, vitimado pela pneumonia e infecção generalizada. A Escola de Ensino Fundamental do bairro Zantão pereniza a memória do humanitário médico e líder Carlos Moritz junto às novas gerações.
Ao digitar estas linhas no limiar do Centenário de Nascimento do Dr. Carlos Moritz, quero fazer memória também de todas as abnegadas pessoas, que muitas vezes anônimas, não mediram ou medem esforços para que o sonho de construir, com a Graça de Deus, uma comunidade empreendedora, justa e solidária se torne(asse) realidade.
Com gratidão a Deus pela vida e obra de Dr. Carlos Moritz.
Declaração do Dr. Carlos Moritz, numa manhã de Domingo, já hospitalizado, quando visitado pelos amigos Padre Eloy Dorvalino Koch, SCJ e Paulo Vendelino Kons.
Contato: (47) 9997-9581 ou paulokons1@gmail.com.
Paulo Vendelino Kons – Historiador