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A resistência não virá da internet

A revolução digital trouxe novas ferramentas de comunicação, banalizou a intimidade das pessoas nas redes sociais, e ainda alterou as regras do próprio ativismo social. Com Facebook, Twitter, Instagran et coetera, as tradicionais relações entre instituições, autoridades políticas e a vontade popular foram vulgarizadas, o que facilitou a colaboração mútua, mas também proporcionou capacidade de organização aos desprovidos, dando voz e poder aos seus questionamentos.

Acontece que o grau de ativismo capaz de gerar engajamento político de resultados não é obtido nas relações estabelecidas via redes sociais, e jamais será. Trata-se de um fenômeno de “vínculos fortes”.  Esse padrão é verificado na maioria dos casos históricos de insurgência política. Um estudo sobre os grupos terroristas atuantes no mundo nos anos 60/70 constatou que 70% de seus recrutas já tinham pelo menos um grande amigo na organização.

O mesmo se aplica aos homens que aderiram aosMujahideen do Afeganistão, ou aos manifestantes do Occupy Wall Street, em 2011 nos EUA. Até mesmo manifestações revolucionárias que parecem espontâneas, como as que conduziram a queda do Muro de Berlim, na Alemanha Oriental, são em essência fenômenos de vínculos fortes.

O ativismo possível por intermédio das redes sociais nada tem em comum com isso. As plataformas dessas redes são construídas em torno de vínculos fracos. O Instagran é um diário de exposição de egos. O Twitter é uma forma de pessoas conversarem com quem talvez nunca tenham se encontrado.

O Facebook e o WhatsApp são ferramentas de troca de amenidades entre um elenco de conhecidos. Por isso, redes sociais conseguem reunir mais de mil “amigos” em uma conta, coisa impraticável na realidade.  Embora haja alguma força nos vínculos fracos, excelentes para na difusão de inovações, digitalização do comércio, ou até aproximações amorosas, raramente eles produzem ativismo de alto risco.

E existe uma segunda distinção crucial entre o ativismo tradicional e sua variante on-line: as redes sociais não se prestam à organização hierárquica, nem ao controle centralizado, são flexíveis e adaptáveis às situações de baixo risco, porém ineficazes quando se apresentam riscos maiores, pois os vínculos que unem as pessoas ao grupo são frágeis.

Carecendo de liderança e de linhas de autoridade claras, as redes não têm capacidades para pensar de modo estratégico, encontram dificuldades reais para consensos, e são cronicamente propensas a conflitos e erros. Como fazer escolhas difíceis sobre táticas, estratégias ou orientação filosófica, quando todo mundo tem o mesmo poder?

As desvantagens das redes pouco importam quando se busca apenas provocar ruído, ou quando não há interesse em mudanças sistêmicas. Contudo, se o objetivo é sério, tal como combater a injustiça ou a corrupção, é indispensável uma estrutura e uma hierarquia, conhecidas e aceitas.

Os evangelistas das redes sociais – aí incluído o nosso STF – parecem não compreender essas distinções; acreditam que um amigo de Facebook e um amigo real são a mesma coisa, e que participar como doador em uma campanha “bolsonarista” é ativismo, tal qual incendiar ônibus numa manifestação, em Brasília.

De fato, as redes sociais são efetivas para ampliar a participação, mas não conseguem incrementar o nível de motivação que um efetivo engajamento na causa exige. Em outras palavras, o ativismo das redes sociais não consegue motivar pessoas para que façam sacrifícios reais. No máximo, consegue motivá-las a fazer o que alguém faz, quando não está motivado o bastante para um sacrifício real.

Exemplos recentes, no Brasil, foram as manifestações de 7 de setembro de 2021, quando milhões de pessoas foram às ruas clamando por democracia e protestando contra os abusos de autoridade do STF. Ou ainda, as concentrações de milhares de patriotas à frente das organizações militares antes, durante e depois das eleições de 2022.

Nos dois casos, o que se viu foi a facilidade da convocação de pessoas para se agruparem, sem qualquer objetivo concreto e sem maiores consequências políticas ou sociais. O que reuniu as pessoas naqueles momentos foi uma motivação comum: indignação. Mas, o vínculo era fraco.

Inclusive no caso dos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro, embora a imprensa e o próprio governo insistam em classificá-los como tentativa de golpe, ou consequência de planos sediciosos de intervenção militar, os fatos demonstram que tudo não passou da explosão de violência de uma turba descontrolada.  Os vínculos fracos da comunicação via Internet não conseguiram produzir mais que um quebra-quebra criminoso e inconsequente, sem lideranças ou qualquer organização em força na sequência das “ações de golpe”.

A narrativa de “atos golpistas” por parte da imprensa chega a ser ridícula, porque é indisfarçavelmente ideológica, e visivelmente patrocinada por um governo que já demonstrou não ter qualquer interesse em apurar a realidade dos fatos.

Hoje, os brasileiros estão gastando muita energia em entidades que apenas discutem as questões – sem maiores responsabilidades – em vez de se engajarem naquelas que promovem ações estratégicas orientadas à resistência política.

É verdade que os ativistas agora têm maior facilidade em expressar suas preocupações, mas o impacto dessas manifestações tem sido quase nenhum, a não ser despertar os censores do STF. Os instrumentos das redes sociais permitem maior participação na ordem social, mas definitivamente não são ameaças ao status quo.

Se na sua opinião, o Brasil está no rumo certo e tudo que vem acontecendo não atinge suas liberdades, se você não se espanta com inquéritos inconstitucionais, decisões esdrúxulas de tribunais políticos e censuras arbitrárias das redes sociais, justificadas como defesa da democracia, preocupar-se nem é o seu caso.

Mas, se você é um crítico da epidemia nacional de omissão, e ainda é capaz de se indignar com os abusos autoritários dessa nossa atual “democracia relativa”, lembre-se: mudanças irreversíveis nas instituições e nos valores que nos são mais caros estão avançando; a resistência exige compromisso “olho no olho”, depende de vínculos fortes, e não acontecerá via Internet.

Gen Marco Aurélio Vieira
Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e Comandante da Brigada de Infantaria Paraquedist