O texto e as informações são do site da Veja
“Repetindo o que fez Lula em 2018, o ex-presidente tenta ser candidato em 2026, esticando a corda da polarização e da tensão institucional.
Nas eleições de 2018, Luiz Inácio Lula da Silva, inelegível com base na Lei da Ficha Limpa e preso em Curitiba, lançou sua candidatura à Presidência. Mesmo com poucas chances de sucesso, o petista esticou a corda, mantendo seu nome no páreo até o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tirá-lo da corrida a menos de quarenta dias do primeiro turno. A estratégia quase deu certo. Lula transferiu boa parte dos votos ao vice, Fernando Haddad, que foi para o segundo turno.
Oito anos depois, a história poderá se repetir, mas agora com o vencedor daquele pleito, Jair Bolsonaro. Também inelegível, ele dá mostras de que vai levar a discussão sobre a sua candidatura até 2026 — o que poderá impactar não só o processo eleitoral, mas todo o ambiente político do país.
A principal frente para recuperar o direito eletivo até agora é a da Justiça. Condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à inelegibilidade por oito anos em dois processos (veja o quadro abaixo), ele já recorre ao Supremo Tribunal Federal de uma das decisões: o caso em que foi punido por usar a estrutura do Palácio do Planalto para uma reunião com embaixadores, em 2022, na qual atacou as urnas eletrônicas. A sua equipe jurídica é chefiada por um ex-ministro do TSE, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, e contratada pelo seu partido, o PL, que tem amplo interesse em travar a disputa pela candidatura nos tribunais.
A sorte, ao menos nesse início da estratégia, não parece estar ao lado de Bolsonaro. O ministro escolhido para relatar o caso é Cristiano Zanin, por ironia, ex-advogado de Lula e da campanha do PT ao Planalto em 2022 — o que deixa no ar a hipótese de ele se declarar suspeito. Se isso não ocorrer, tudo indica que as chances de Bolsonaro são pequenas. O ministro é “linha-dura” nesse tipo de processo: todos os recursos eleitorais que passaram pela sua relatoria em 2023 tiveram decisões negativas. O voto dele, de qualquer forma, precisaria ser submetido à Primeira Turma do STF e, se houver recurso, ao plenário. Mesmo assim, a chance de Bolsonaro pouco muda: a taxa de provimento de recursos no Supremo no ano passado foi de apenas 4,6%. “A chance dele é reduzidíssima”, diz Walber Agra, advogado do PDT, responsável pela ação que levou à inelegibilidade do ex-capitão.
A defesa não tem nenhuma pressa em acelerar os julgamentos do ex-presidente no STF por um bom motivo. Enquanto não existir trânsito em julgado (o fim de todas as hipóteses de recurso), há a possibilidade de Bolsonaro tocar uma candidatura sub judice, igual à de Lula em 2018. Ele poderá pedir o registro no TSE, o que dará origem a um processo judicial — o deferimento ou não só ocorrerá perto do primeiro turno (no caso de Lula, foi no dia 31 de agosto). Enquanto o tribunal não tomar uma decisão, Bolsonaro vai usufruir de todas as prerrogativas dos candidatos: terá tempo de TV, poderá ir aos debates e fazer campanha na rua.
Um ponto a favor do ex-presidente é que a Corte eleitoral em 2026 estará sob a presidência de Kassio Nunes Marques, que foi indicado a ministro do STF por Bolsonaro e que votou contra a sua inelegibilidade nos dois processos. Na chefia do TSE, ele terá poderes para conceder liminares que podem ajudar o ex-presidente, como permitir que ele dispute a eleição enquanto tiver recurso em tramitação.
Mesmo que fadada ao fracasso, uma candidatura sub judice poderá trazer vários ganhos políticos. O “plano A” é capitalizar a popularidade de Bolsonaro como candidato e, se houver um revés judicial, transferir os votos ao vice. Nesse caso, será preciso saber qual é o potencial de transferência de eleitores do ex-presidente — o que também vai depender, claro, de quem será o vice e da ligação que ele tem com Bolsonaro. O feito de Haddad, que herdou rapidamente o eleitorado de Lula, foi fora da curva — a média de transposição de votos é em torno de 30%. O potencial eleitoral do ex-presidente ainda é alto. Pesquisa feita pelo Datafolha em dezembro apontou que 91% dos que votaram em Bolsonaro em 2022 não se arrependem da sua escolha e que 82% têm agora confiança nele igual ou maior do que tinham na eleição passada.
Mesmo que não consiga repetir 2018, a estratégia pode trazer ganhos ao bolsonarismo e ao PL. A perspectiva de voltar ao poder, mesmo que ilusória, ajuda a manter o capital político de Bolsonaro, a sua capacidade de atrair aliados e o seu peso para eleger correligionários. Com ele nas ruas fazendo campanha, deve manter-se o ambiente de polarização com o PT, ocorrido nas duas últimas eleições, o que ajuda o bolsonarismo.
“A candidatura dá munição aos apoiadores mais radicais”, afirma o cientista político Eduardo Grin, professor da FGV.
Há, no entanto, também muitos efeitos colaterais. Um deles será dar combustível à animosidade dos apoiadores de Bolsonaro contra o Judiciário, em especial a Justiça Eleitoral, um dos principais alvos nos últimos anos. Como ocorreu com Lula, a militância deve pressionar o TSE antes do julgamento. Um Bolsonaro impedido às vésperas da votação de concorrer por causa da Corte eleitoral ou do Supremo poderia ser a faísca perfeita para uma nova onda incendiária contra seus algozes.”
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Felipe Sostenes/Onzex Press e Imagens/Agência O Globo/