A capa da revista censurada
A Ordem dos Advogados do Brasil sempre se destacou na defesa de direitos fundamentais, especialmente em momentos de ofensivas autoritárias do Estado. Ao longo de seus 94 anos de história, consolidou-se como uma das mais relevantes instituições na proteção das liberdades e da democracia no Brasil.
Nos períodos sombrios do Estado Novo e da vigência do Ato Institucional nº 5, por exemplo, a Ordem ergueu sua voz em defesa da liberdade de expressão. Foi também decisiva na revogação da Lei de Imprensa, que impunha mecanismos rigorosos de censura.
No entanto, esse legado histórico de luta pela liberdadeestá sendo colocado em xeque nas eleições da OAB de Santa Catarina, marcadas para o próximo dia 22.
Atendendo a um pedido da chapa de situação, do advogado Juliano Mandelli, a comissão eleitoral da OAB/SC proibiu a circulação de uma revista produzida pela chapa de oposição, liderada pela advogada Vivian De Gann.
A revista censurada dedica quatro páginas a uma exposição de fatos que têm surpreendido seus leitores. Muitas das revelações feitas eram desconhecidas até mesmo por aqueles que acompanham de perto os bastidores da OAB e ainda mais nas subseções distantes da Capital, onde as informações sobre os meandros do poder costumam não chegar.
Os fatos apresentados na revista têm base sólida em coberturas jornalísticas, registros oficiais e declarações públicas. Entre as fontes estão a sessão pública do STF em que o ministro Alexandre de Moraes ironizou a OAB epublicações nas redes sociais do vice-presidente do Conselho Federal da OAB, Rafael Horn. E promessas feitas pelo grupo de situação nas eleições de 2021 da OAB/SC, como a de lutar por eleições diretas na instituição. Há também referências a publicações no Diário Oficial da União dos anos de 2009 e 2024, relacionadas às nomeações, feitas pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, de Rafael Horn e de um dos seus sócios, e primo, como juízes eleitorais do TRE/SC.
No plano fático, não parece haver qualquer espaço para censura, pois a revista não estampa qualquer fake news ou desinformação.
No campo da opinião, a revista contém contundentescríticas à tímida postura da OAB frente aos excessos cometidos nos últimos anos pelo STF e, especialmente,pelo ministro Alexandre de Moraes, incluindo violações àsprerrogativas de advogados que atuam perante a Suprema Corte. O encarte também critica a falta de independência da OAB frente ao Poder Executivo e a inércia da instituição diante da decisão do STF que afastou a proibição de atuação de magistrados em processos patrocinados por parentes advogados. Além disso, a revista questiona ações e omissões da OAB tanto no âmbito nacional quanto estadual, o que é absolutamente legítimo em uma sociedade democrática.
O direito de opinião (ainda) existe neste país. Está previsto na Constituição. Aliás, a liberdade de opinião é um dos pilares fundamentais de qualquer democracia e visa assegurar a cada indivíduo o direito de expressar suas ideias e convicções sem medo de censura ou repressão.Este princípio deve ser especialmente protegido em uma instituição como a OAB, que sempre se apresentou como guardiã do estado democrático de direito.
Somente quem aceita críticas está apto a participar da vida política. Como nos ensinou Voltaire, podemos discordar do que o outro diz, mas devemos defender até a morte o seu direito de dizê-lo.
Se a revista da chapa oposicionista contivesse fake news, proibir sua circulação poderia fazer sentido. Mas não é o caso. O que se vê é o uso do poder institucional para censurar a livre manifestação de ideias, o que, além derepresentar grave retrocesso e violação ao direito de opinião, fere de morte a tradição democrática da OAB.
Espera-se que a OAB reveja seu posicionamento e ponha fim à censura. Que seus dirigentes se inspirem emRaymundo Faoro e Seabra Fagundes, ícones da advocacia brasileira que lutaram pela democracia e pela liberdade de expressão mesmo em tempos difíceis. Até porque vivemostempos difíceis — e a coragem para defender princípios fundamentais nunca foi tão necessária.