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DA IMPORTÂNCIA DA DUE DILIGENCE TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES SOCIETÁRIAS DE FUSÕES E AQUISIÇÕES

Hodiernamente, as operações de fusões e aquisições (M&A) tem aquecido o mercado brasileiro. Todavia, para um processo de valuation (avaliação de empresas) seja preciso, algumas auditorias (due diligence) são necessárias para realizar tal apuração. Neste passo, uma das auditorias que mais tem acarretado discussões é a tributária, justamente no que se refere a apuração de contingências. Tais números influenciam diretamente no processo de avaliação da empresa, e por sua vez, refletem na operação societária a ser realizada.

Cumpre-me fazer uma breve consideração acerca do conceito de operações societárias, e da expressão “fusões & aquisições”: boa parte da doutrina jurídica e contábil, bem como os stakeholders envolvidos em operações desta natureza, acabam por adotar, de forma genérica, a nomenclatura “fusões & aquisições” para tratar de operações de compra/venda de empresa, incorporação, transformação, fusão e cisão, então codificadas no art. 1.113 do Código Civil. Verificamos também, sem dificuldade, joint ventures[1] sendo incluídas neste “gênero”.[2]

Já os players do setor financeiro, optam por adotar a designação em inglês da mesma expressão, qual seja, “M&A”, que nada mais é do que a abreviação de “Merger & Acquisitions”.[3]

Outro ponto que merece esclarecimento ao leitor, em que pese o caráter opinativo que darei ao presente artigo, faço-o com espeque em doutrina especializada que cito em “notas de conforme” ao longo do texto. Não seria um absurdo cita-los apenas no início, ou apenas no final do artigo. De todo modo, para facilitar a leitura, procurei “distribuí-las” de modo que, o parágrafo opinativo se assemelhe as ideias e premissas do doutrinador citado.

Feita esta breve introdução necessária àquele que porventura seja leigo na matéria, passarei a abordar o tema proposto sob a ótica do direito tributário, notadamente com o escopo final de demonstrar a relevância do tema, seja para mitigar riscos de contingências, seja para fins de valor da empresa (valuation[4]), seja simplesmente para demonstrar o quanto complexo e inseguro são os mares navegados pelos contribuintes pátrios.

A apuração de contingências mostra-se ainda muito discutível, não havendo um entendimento padrão, por conta de interpretações legais e contábeis. A avaliação de riscos e contingências tributárias possui, ao meu ver, relação estreita à formação do preço da empresa, deixando-a mais ou menos atrativa aos olhos do potencial comprador, e impacta, de igual forma, na maneira que vendedor receberá os valores advindos da negociação.

Para facilitar a vossa compreensão, utilizarei os vocábulos comprador e vendedor para englobar e exemplificar as operações societárias acima descritas, notadamente as de “fusões & aquisições”[5].

Destaco, não obstante, que a due diligence tributária, mesmo que não destinada ao processo de “fusões & aquisições”, busca, dentro da legalidade, minorar os efeitos de qualquer fiscalização que eventualmente venha a ser realizada pelo Fisco (Municipal, Estadual e Federal), e ainda, não menos importante, otimizar o fluxo financeiro da empresa, por intermédio de instrumentos disponíveis aptos à redução ou recuperação de tributos[6].

A complexidade do Sistema Tributário Brasileiro torna obrigatório que o tema seja encarado como uma matéria multidisciplinar, onde profissionais da área jurídica, contábil e financeira necessitem estar entrosados, sempre em busca de melhores resultados.[7]

Para se ter uma ideia da quantidade de informações que uma multinacional, e/ou um grupo estrangeiro analisam durante um processo de due diligence, podemos exemplificar alguns pontos que são triviais, seja para busca de eventuais contingências, seja para formação do preço, seja para fins de negociação do pagamento e utilização de “conta garantia” (escrow account[8]):

  1. Regime de tributação e forma de contabilização;
  2. Forma de apuração dos tributos;
  3. Declaração e pagamento dos tributos;
  4. Cumprimento das obrigações acessórias;
  5. Análise de parcelamentos de tributos;
  6. Utilização e origem de créditos tributários e/ou benefícios fiscais;
  7. Existência de processos administrativos ou judiciais;
  8. Potenciais crimes contra a ordem tributária que porventura tenham sido cometidos, à luz da legislação e da jurisprudência.

Soma-se (ou seria multiplica-se?) esta análise para todas as esferas: Municipal, Estadual e Federal.

De fato, a complexidade é imensa.

No tocante às situações que poderão ser consideradas contingências – dentre as mais comuns – podemos listar, de forma não taxativa:

a) recolhimento a menor de tributos por interpretação equivocada da legislação;

b) recolhimento a menor ou a maior de tributos por falha humana (erro de digitação na guia de pagamento, ou na apuração contábil, por exemplo);

c) existência de funcionários subordinados – nos termos do art. 3o da CLT – travestidos de prestadores de serviço pessoa jurídica (funcionários PJ’s), que não impactam apenas em termos de direito do trabalho, mas também para fins tributários e previdenciários;

d) planejamento tributário efetuado de forma equivocada e que possa ser desconsiderado a qualquer momento pelo fisco;

e) interpretação equivocada no lançamento contábil. Ex.: Custo x Despesa;

f) produtos faturados sem nota ou existência de caixa 2;

h) escolha equivocada do regime de tributação;

O que os consultores e empresários que estejam envolvidos neste tipo de operação precisam ter consciência, é que os grandes players de mercado, sejam brasileiros, sejam estrangeiros (principalmente), antes (e durante) a realização de qualquer tipo de operação societária, necessariamente executarão este “pente fino”, visando apurar passivos ocultos, contingências e outras situações que porventura possam minorar o valor da empresa, ou deslocar parte do pagamento para uma escrow account (conta controlada / conta de garantia).

Neste sentido, deixo a alerta para a necessidade e importância da due diligence tributária destinada aos processos de fusões & aquisições. Isso facilitará a negociação com o comprador[9], evitando que a empresa vendedora seja subvalorizada no processo de valuation, como também, dará possibilidades ao vendedor, de corrigir eventuais falhas antes de leva-la a mercado. Caso contrário, o vendedor terá como verdade tudo aquilo que for apontado pelo comprador, tornando a negociação unilateral, ante a ausência de subsídios para argumentação.

Por fim, não obstante toda a importância e relevância do tema para as operações societárias, necessário registrar e pontuar minha opinião no sentido de quão tormentosa é essa peregrinação.

Suponhamos que as empresas envolvidas numa negociação sejam contribuintes do ICMS.

Além de toda a complexidade do tema, devemos somar (e não esquecer) todas as dificuldades que o consultor encontra no momento de consignar sua opinião num trabalho desta natureza:

  1. Cada Estado possui a sua legislação;
  2. A legislação do ICMS é alterada diariamente;
  3. Existência de convênios;
  4. Diversidade de interpretações (Fisco, julgadores administrativos, magistrados, doutrinadores, advogados, por exemplo).

Desta feita, num país em que a complexidade tributária impera e emperra o desenvolvimento da indústria e de mais investimentos de capital estrangeiro, nos resta, como consultor, investigar a fundo o passado e o presente de nossos clientes, à fim de minorar potenciais riscos, como também, planejar o futuro não somente à luz da legislação, mas trazer ao contribuinte as possibilidades interpretativas desenvolvidas pelo Fisco, pelos julgadores administrativos e pelo judiciário.

*Artigo originalmente publicado no site Empório do Direito.

Raphael Francalacci Schambeck Luz é advogado e consultor de empresas; sócio da MAERI Consulting; pós-graduado em direito tributário, direito processual civil, direito empresarial e societário; ex-conselheiro do TAT/SC; membro da CATRL/FIESC; professor em cursos de pós-graduação; membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SC e membro fundador da ASSET/SC..

[1] O termo “joint venture” surgiu na Grã-Bretanha, no século XVI, e designava as associações entre dois ou mais comerciantes para aprestar um navio e negociar no ultramar. Eram associações temporárias e informais, que ocupavam uma faixa do comércio ultramarino não preenchida pelas “chartered companies”.  As “chartered companies” recebiam o privilégio da personalidade jurídica e da limitação da responsabilidade, outorgado por ato real (“royal charter”), mas em compensação, ficavam sujeitas a um estatuto rígido e à fiscalização permanente do governo.  Já as “joint ventures” eram sociedades sem personalidade jurídica, organizadas à revelia do Estado, sendo, portanto, livres, informais e desvinculadas de restrições estatutárias.  Geralmente eram temporárias: ao fim de cada expedição – que se designava por “adventure” ou “venture” – o acervo social (especiarias, sedas, metais preciosos, dinheiro, etc.) era repartido entre os sócios (“venturers”) às vezes em espécie, às vezes, após liquidado, em dinheiro. A “joint venture” e a “partnership” correspondiam ao conceito lato de sociedade de pessoas não havendo como traçar com precisão a linha divisória entre as duas.  A prática reservava, contudo, o termo “joint venture” para designar associações de comerciantes com o objetivo de realizar negócios sujeitos a um grau de risco acima do normal. SILVEIRA LOBO, Carlos Alberto. As Joint Ventures. Revista de Direito Renovar, vol. 1, pag. 77 – Ano 1995. Disponível em http://www.loboeibeas.com.br/archives/1656 . Acesso em 13/03/2017.

[2] Cf. BOTREL, Sérgio. Fusões & Aquisições – 3ª Ed. 2014 – São Paulo: Saraiva.

[3] Cf. PRADO, Roberto Nioac e PEIXOTO, Daniel Monteiro, coordenadores. Reorganizações empresariais: aspectos societários e tributários. São Paulo: Saraiva, 2011 – Série GVLaw.

[4] Cf. ASSAF NETO, Alexandre. Valuation: métricas de valor & avaliação de empresas. São Paulo: Atlas, 2014.

[5] Cf. RIOS DA ROCHA, Dinir Salvador e TEIXEIRA, Elisa Duarte. Direito Societário – Fusões, Aquisições, Reorganizações Societárias e Due Diligence – Série Gvlaw – 1a Ed. São Paulo: Saraiva.

[6] Cf. ABRAHAM, Marcus (org.) – Manual de Auditoria Jurídica – Legal Due Diligence: um visão multisciplinar no Direiro Empresarial Brasileiro – São Paulo: Quartier Latin, 2008.

[7] Cf. MUNIZ, Ian de Porto Alegre. Fusões e Aquisições – Aspectos Fiscais e Societários – 2a edição – São Paulo: Quartier Latin, 2011.

[8] Escrow é uma garantia prevista em um contrato ou acordo comercial que é mantida sob a responsabilidade de um terceiro até que as cláusulas desse acordo sejam cumpridas por ambas as partes envolvidas no negócio.

Normalmente, essa garantia é feita na forma de um depósito em dinheiro em uma conta criada especificamente para isso – uma escrow account, que em português poderia ser traduzida como “conta-caução” ou “conta de garantia”.

Disponível em: https://www.dicionariofinanceiro.com/escrow/. Acesso em 13/03/2017.

[9] Exemplifico utilizando a palavra vendedor e comprador. Obviamente, a importância do tema é de grande valia não somente para essas duas partes, mas também para empresas que passem por quaisquer outros tipos de operações societárias, nos termos do Art. 1.113 do Código Civil, por exemplo.

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