Mais uma ameaça paira sobre a agricultura catarinense. Sentença proferida pelo Juiz da 6ª Vara Federal de Florianópolis nos autos de Ação Civil Pública determina que prevaleça em Santa Catarina os dispositivos da Lei da Mata Atlântica (Lei Federal nº 11.428/2006) e não o novo Código Florestal Brasileiro (Lei Federal nº 12.651/2012). Esse entendimento do magistrado traz enorme insegurança jurídica e problemas sérios para a produção agropecuária catarinense.
Documento assinado pelas principais lideranças do agronegócio barriga-verde – José Zeferino Pedrozo (FAESC), José Walter Dresch (FETAESC), Luiz Vicente Suzin (OCESC) e Arno Pandolfo (FECOAGRO) – encaminhado a diversas autoridades catarinenses adverte que se persistir o entendimento exarado na sentença, haverá impactos extremamente negativos tanto na economia quanto em seus aspectos sociais.
O documento foi encaminhado ao presidente do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) Daniel Vinicius Netto com cópias ao Secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável Luciano José Buligon, ao Secretário de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural Altair Silva e ao procurador geral Alisson de Bom de Souza.
O documento das entidades faz as seguintes considerações:
Pela Resolução CMN nº 4024/2020 do Banco Central do Brasil, para obter crédito rural para custeio da produção, o produtor, seja ele grande ou pertencente à agricultura familiar, terá que apresentar o Cadastro Ambiental Rural – CAR, devidamente validado pelo órgão ambiental estadual (IMA). Sem o cumprimento de tal condição, não terá acesso a recursos para financiar sua produção.
A sentença proferida veda a homologação do CAR pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – IMA, em propriedade rural que esteja inserida em área pertencente ao bioma Mata Atlântica, que, no caso de SC, significa dizer todo o território catarinense. Ou seja, o agropecuarista que aqui produz não poderá contar com esse instrumento para obter financiamento a partir de agora, no limiar da próxima safra. Significa engessar, de uma hora para a outra, a produção agropecuária de Santa Catarina e lançar à própria sorte milhares de famílias de pequenos produtores e trabalhadores rurais.
A resolução do Banco Central é tão drástica que o Ministério da Agricultura teve que lançar o programa AnalisaCAR, que usa tecnologias de sensoriamento remoto e ajudará os estados a fazerem a análise, em larga escala, dos cadastros ambientais. Ou seja, facilitará o processo de verificação de milhares de informações declaradas sobre a situação da regularidade ambiental, das áreas de preservação permanente e das reservas legais em todo o país.
O Código Florestal criou dois instrumentos de regularização ambiental: o CAR que encerrou a inscrição com benefícios no final do ano 2020 e o Programa de Regularização Ambiental – PRA, cujo prazo de adesão finda no dia 31 de dezembro de 2021, razão para o lançamento do Analisa CAR do Ministério da Agricultura, para agilizar a análise e homologação do CAR, pré-requisito para adesão ao PRA. Em Santa Catarina, tudo isso paralisado pela sentença ora em questão.
Desde a implantação do novo Código Florestal, FAESC, OCESC, FETAESC e FECOAGRO trabalharam intensamente na conscientização, orientação e capacitação dos seus representados para que sejam cumpridas as obrigações legais ambientais. Importante aqui destacar que toda essa mobilização atendeu à diretrizes previamente discutidas com produtores e trabalhadores rurais, cooperativas agrícolas, agroindústrias e Governo, o qual instituiu mecanismos legais e factíveis para que o Brasil e o estado de Santa Catarina pudessem continuar, com sustentabilidade, dando suporte à demanda por alimentos, por abastecimento e segurança alimentar. Do ponto de vista social, isso garantiu a permanência de milhares de pessoas e famílias no campo com dignidade, renda e perspectiva de melhorar sua qualidade de vida.
RISCO SOCIAL E ECONÔMICO
Não se pode aceitar, portanto, sob risco de inviabilizar a produção agrícola e pecuária do estado, a mudança de regras e entendimentos já consolidados, validados e devidamente implementados por todos os elos da cadeia do agronegócio.
O assessor jurídico da FAESC Clemerson Pedrozo lembra que o entendimento exarado na referida sentença foi reformado/suspenso em todos os estados onde ações civis públicas com o mesmo objetivo foram ajuizadas, com exceção do estado de Santa Catarina. Recentemente o estado do Paraná obteve, no STJ, decisão favorável que sustou os efeitos de decisão liminar que impunha ao estado vizinho os mesmos efeitos danosos que a sentença aqui proferida está a causar ao nosso estado.
Essa interdição abrange milhares de imóveis rurais, dos quais, em sua imensa maioria (mais de 90%) são de propriedades de até 4 módulos fiscais, isto é, da agricultura familiar, segundo levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. Caso todos esses pequenos agricultores, pertencentes à agricultura familiar, tenham que iniciar a transformação de suas terras, retrocedendo, como está determinando a sentença, ao que era Santa Catarina em 1990, será certamente um grande desastre econômico e, principalmente, social.
Fazendo um exercício de regressão, levantando os números do que era a produção rural catarinense no ano de 1990, data fixada pela sentença (26 de setembro de 1990, data da edição do Decreto Federal nº 99.547/90), podemos facilmente visualizar o cenário desse desastre.
Considerando que o estado de Santa Catarina é um grande produtor de alimentos, podemos citar alguns produtos oriundos de nossa agropecuária, demonstrando o incremento de produção ocorrido desde o início dos anos 90, comparando com a produção atual:
Segundo a Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE, Santa Catarina lidera o ranking nacional de produção de carne suína. Em 2019, concentrou 27,02% dos abates e 27,13% do peso total das carcaças. Mais de 7.318 suinocultores catarinenses destinaram suínos para abate em estabelecimentos inspecionados no ano de 2020. Essas famílias de suinocultores, além viverem da produção, também empregam número considerável de trabalhadores.
Somos o segundo maior produtor de carne de aves do Brasil, sendo que em 2020 foram produzidos no estado e destinados ao abate aproximadamente 848,31 milhões de frangos (segundo dados da CIDASC). Aproximadamente 7 mil famílias têm aviários e vivem exclusivamente da atividade, empregando número expressivo de trabalhadores.
Nas agroindústrias localizadas no estado, a produção da avicultura, somada com a da suinocultura, geram mais de 60 mil empregos diretos, e aproximadamente 480 mil postos de trabalho indiretos.
Como todos sabemos, a imensa maioria de nossas granjas de aves e de suínos foram implantadas após 1990, em áreas consolidadas de acordo com o Código Florestal e que, com frequência, precisam renovar os seus licenciamentos ambientais, os quais estão, nesse momento, travados pela sentença proferida pelo Juízo da 6ª Vara Federal de Florianópolis. Persistindo os efeitos da decisão judicial ora em comento, suinocultores e avicultores terão que encerrar suas atividades, dispensar funcionários, deixar de cumprir contratos bancários e contratos com as indústrias integradoras, com cooperativas agrícolas, e consequentemente, as cadeias produtivas entrarão em colapso.
DESEMPREGO E CAOS
Diante de todas essas constatações, a manutenção dos efeitos da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública, significará para Santa Catarina uma redução drástica de produção, a paralisação de indústrias, o desemprego e um brutal êxodo rural, especialmente para a periferia das grandes cidades, com o consequente aumento da pobreza e da violência. Além disso, teremos uma considerável redução na produção de alimentos.
O novo Código Florestal ao estabelecer as áreas consolidadas, em seu artigo 3º (Lei Federal nº 12.651/2012), pretendeu justamente viabilizar as pequenas propriedades familiares. Admitir-se a vigência da lei da Mata Atlântica em desarmonia com os dispositivos contidos no Código Florestal, para imóveis abaixo de quatro módulos fiscais significará perder importantes áreas produtivas, inviabilizando sua produção e a subsistência dos que dela dependem. Ficará o agricultor, inclusive, impedido de negociar suas terras, uma vez que a falta de homologação do CAR, um dos efeitos da sentença, gera uma insegurança jurídica para o comprador.
O Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a constitucionalidade de vários dispositivos do Código Florestal, em nenhum momento excluiu sua aplicação de qualquer bioma e, portanto, também o da Mata Atlântica.
Sobre a discussão Mata Atlântica X Código Florestal, em âmbito federal, foi ajuizada pela Advocacia Geral da União, no Superior Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade.
O argumento da AGU é que o regime ambiental de áreas consolidadas é compatível com o estatuto legal da Mata Atlântica, vez que assegura a continuidade do desempenho de atividades econômicas por diversas famílias mediante a razoável recomposição das áreas de preservação permanente. Atualmente o processo está para julgamento, mas ainda sem pauta.