Os dados são alarmantes. De acordo com o estudo “Visível e invisível: a vitimização das mulheres no Brasil”, publicado em 2019 e elaborado pelo Ministério da Justiça, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto DataFolha, 27,4% das mulheres brasileiras maiores de 16 anos sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Em 76,4% dos casos, o agressor é uma pessoa conhecida, que integra o círculo íntimo de afeto da mulher, como o cônjuge, o companheiro, o ex-namorado. 42% das agressões ocorreram no interior da residência familiar e 52% das mulheres não tomaram nenhuma providência após a violência. Quando se fala em feminicídio, os números assustam ainda mais. Segundo o “Mapa da Violência contra a Mulher”, publicado pela Câmara dos Deputados em 2018, 95,2% dos algozes são esposos, companheiros, namorados ou ex-namorados.
Em Santa Catarina, nos últimos dias, repercutiu na imprensa local um levantamento, feito pela Secretaria de Estado da Segurança Pública, dando conta de que os casos de feminicídios praticamente dobraram nos primeiros meses de 2019, quando comparado ao mesmo período do ano passado. Desde 1º de janeiro, 15 mulheres foram mortas pelo fato de serem mulheres ou no âmbito da violência doméstica.
É para refletir sobre esses e outros números que a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) lança, em maio, a campanha “Em Defesa Delas: Defensoras e Defensores Públicos pela garantia dos direitos das mulheres”. A campanha, que conta com apoio das Associações Estaduais, das Defensorias Públicas dos Estados e do Colégio Nacional de Defensores Gerais (CONDEGE), busca dar visibilidade à atuação da Defensoria Pública na defesa dos direitos das mulheres, abordando temas como o enfrentamento à violência doméstica e familiar, o encarceramento de mulheres, a situação das mulheres negras no Brasil, a violência obstétrica e as mulheres em situação de rua.
Segundo Anne Teive Auras, defensora pública que atua na defesa das mulheres em situação de violência na comarca da Capital, muitos feminicídios ocorrem porque a mulher não conseguiu romper o ciclo da violência, não conseguiu procurar ajuda para sair de uma relação violenta. “Isso porque a violência doméstica e familiar costuma ser cíclica: as tensões e as crises aumentam com o tempo, até explodirem em um episódio de agressão. Depois disso, o agressor costuma se desculpar, pedir perdão, apresentar justificativas, e o relacionamento passa para uma fase de reconciliação e lua de mel – até que a tensão volta a aparecer e o ciclo recomeça. Se a mulher não procura ajuda (e as pesquisas mostram que mais da metade das mulheres não toma nenhuma providência após o episódio de agressão), o risco é de um agravamento cada vez maior da violência, podendo chegar até mesmo ao feminicídio”, diz a defensora.
Por isso, ela destaca que é tão importante informar as mulheres a respeito de seus direitos e da rede de acolhimento e proteção a que elas podem recorrer. “ A Defensoria Pública é um desses canais, assim como as delegacias, juizados e promotorias especializadas, centros de referência especializados, Disque-180, entre outros”, afirma.
A defensora continua: “Muitas mulheres não procuram ajuda por medo do agressor, por vergonha daquilo que os outros vão pensar, por se sentirem sozinhas e isoladas ou até mesmo por depender financeiramente do algoz. Às vezes a mulher nem se enxerga como vítima de uma violência, acha que é culpada pela agressão que sofreu. Então falar em violência contra a mulher é também problematizar a nossa cultura, que reproduz papéis de gênero estereotipados e, ao naturalizar a submissão da mulher ao homem, acaba naturalizando a própria violência, que é uma forma de negação da condição de sujeito da mulher”.
Justamente por isso, o enfrentamento à violência contra a mulher envolve não apenas o viés repressivo, que foca na punição dos agressores, mas também e principalmente o aspecto preventivo, com políticas públicas que promovam os direitos das mulheres e contribuam para o seu empoderamento e sua autonomia.
“Além disso, não se pode esquecer que a violência contra a mulher é um fenômeno que atinge todas as mulheres, mas se expressa de formas diversas em diferentes grupos. A desigualdade social gera efeitos na violência. E as pesquisas demonstram, por exemplo, que as mulheres negras são mais vitimizadas que as mulheres brancas. Quando se pensa em violência contra a mulher, portanto, também precisamos pensar em racismo e em desigualdade”, explica Anne.
Nesse contexto, observa, a campanha lançada pela ANADEP pretende abordar temas relacionados aos direitos das mulheres e dar visibilidade às múltiplas formas de violência a que elas estão submetidas, aproximando ainda mais a Defensoria Pública das mulheres brasileiras e catarinenses.