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Enquanto caçamos Pokémons…

Somos comodistas de plantão. Achamos que a solução de nossos problemas ou a organização de nossos interesses coletivos deve caber a um responsável. Esperamos pelo momento em que um “Sérgio Moro” seja nosso escolhido e todos os males da política sejam resolvidos.

Esquecemos que, como cidadãos, temos obrigações antes de direitos. Esquecemos que o Estado é uma estrutura burocrática, que precisa funcionar organicamente, desafetada da autoridade de uma única pessoa. É corriqueiro ver membros da estrutura do Estado (servidores ou seus sindicatos) apontarem o dedo para os eleitos, responsabilizando-os por filas, atrasos, precarizações  do serviço público. E os eleitos aceitam o jogo, apostando em qualquer pacote de bondades para chamar de seu – e depois utilizá-lo como matéria-prima para programas eleitorais futuros.

Enquanto isso, o cidadão caça Pokémons. Não quer debater matérias de seu interesse coletivo porque é chato, porque já escolheu pelo voto quem deve fazê-lo, porque não tem tempo e porque seu tempo é só para sua vida privada – como se não lhe interessasse o que acontece em seu País, Estado ou cidade.

A cada dia que passa, deixamos para amanhã o que já deveríamos ter feito ontem. A cada dia que passa, o debate de matérias urgentes é jogado para o futuro. Somos craques em reclamar que faltam investimentos, que não sabemos onde nosso dinheiro é aplicado, que os políticos são todos iguais – ainda mais em tempos de Lava Jato. Não gostamos de dar nossa opinião sobre temas complexos. Achamos sempre que o Estado deve resolver esse ou aquele problema; afinal, é para isso que recolhemos impostos.

Se uma greve paralisa o transporte público, o município tem que fazê-lo voltar a funcionar a qualquer custo, nem que seja concedendo indevidamente algum novo direito incompatível com a realidade econômica. Não nos interessamos em saber de que lado está a razão. Queremos apenas o serviço funcionando. É assim que se constroem direitos incompatíveis com a realidade.

Esse é um mundo de faz-de-conta que corre até exaurir o sistema. Todos os sistemas têm um limite. Se chegarmos a ele muito rapidamente, o resultado é o colapso: o sistema se autodestrói levando tudo e todos. Temos instituições sociais sérias, que poderiam canalizar os posicionamentos de todos nós. No entanto, canalizam interesses de faz-de-conta. Cheios de boas intenções e achando que moções de apoio ou repúdio ajudam a resolver algo, inundam os correios de papeis bem intencionados.

Não é o ativismo de sofá que muda o mundo. Menos ainda achar que não se muda o que sempre foi assim. O que muda o mundo são o sonho e a esperança clamados na rua, que abalam os templos onde o poder é (mal) exercido. Aquele grito que abala as ideologias corporativas, sindicais, que atuam sem racionalidade, desejando apenas manter seu domínio. Aquele tremor causado pelo posicionamento popular, que acaba com a simbiose indecente, que só faz crescer o tamanho e o custo do estado – e, consequentemente, os impostos para sustentar todo o sistema.

Estamos assistindo a tudo de camarote, mas preferimos nos entorpecer a encarar e transformar a realidade. Poderemos até seguir assim por algum tempo, mas não por muito mais. Cedo ou tarde, seremos forçados a sair deste jogo.

 

Antonio Gavazzoni, secretário de Estado da Fazenda e doutor em Direito Público

contatogavazzoni@gmail.com

 

 

 

 

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