Confira entrevista exclusiva com o ex-ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso e ex-presidente do Banco Central no governo de Itamar Franco, Pedro Malan. Economista renomado, ele esteve no centro das decisões econômicas do país por 10 anos consecutivos e nunca se levantou absolutamente algo que desabonasse sua conduta. É uma referência para o país. A entrevista foi solicitada durante a passagem de Malan por Florianópolis, semana retrasada, quando ele foi um dos palestrantes do 3º Fórum Liberdade e Democracia. Do alto de sua experiência, ele fala das perspectivas da economia, da recuperação, lenta, do emprego; das crises política e moral que assolam o país, dentre outros pontos.
1. Com sua experiência de 10 anos à frente do Banco Central e do Ministério da Fazenda, otimista com a recuperação econômica?
PSM – Como ex-presidente do BC e ex-ministro da Fazenda, acho que tanto Ilan Goldfajn e sua equipe à frente do Banco e Henrique Meireles e equipe à frente do Ministério da Fazenda vêm fazendo um excelente trabalho desde maio de 2016, especialmente dadas as circunstancias com que se defrontaram naquela época. Não utilizo as palavras otimismo nem tampouco pessimismo em minhas avaliações. A realidade brasileira é por demais complexa para permitir esta simples escolha binária. Tenho certos graus de confiança, que podem ser maiores ou menores dependendo do tema em discussão e do horizonte de tempo que se considere relevante. Dito isto, estamos claramente em uma fase de modesta recuperação cíclica após a recessão que experimentamos no segundo trimestre de 2014 ao final de 2016 e que levaram uma queda da renda per capita de cerca de 9% no período e ao desemprego de quase 13 milhões de pessoas.
2. Apesar da substancial queda dos juros e da contenção da taxa inflacionária, o desemprego ainda encontra-se em padrões preocupantes. Qual a perspectiva de virada na geração de emprego?
PSM – O desemprego vem declinando, muito lentamente, e é sempre preocupante, mas há uma clara indicação de que a tendência é de queda gradual, a menos de uma conjugação muito desfavorável de eventos econômicos externos com eventos políticos internos altere de maneira significativa as expectativas de investidores, poupadores e consumidores. A virada do desemprego já vem ocorrendo ainda que modesta e pode continuar como efeito defasado da queda muito expressiva da taxa de juros de 14,25 para 6,5 e talvez quem sabe para 6,25 em maio próximo. E se formos capazes de mostrar disposição para equacionar o flagrante desequilíbrio de nossas contas públicas e dar continuidade ao necessário processo de reformas, com a eleição de alguém comprometido com estes objetivos e que o expresse ao longo dos próximos meses.
3. As crises política e moral que devasta o País compromete o cronograma da recuperação da economia?
PSM – Pode sim comprometer o ritmo de recuperação cíclica ora em curso e mais importante, não permitir, se a crise política e moral continuar ao longo dos próximos anos, a transformação de uma recuperação cíclica em uma trajetória sustentada de crescimento de longo prazo em uma taxa mais elevada em cerca de 3% que hoje se considera razoável para as circunstâncias. Mas o Brasil pode e deve almejar um pouco mais que isso.
4. Os investimentos nacionais e internacionais só vão ganhar volume com a estabilidade política ou a eleição do novo presidente da República?
PSM -Os investimentos nacionais e internacionais podem crescer ainda mais com a percepção de estabilidade política e de um governo comprometido com a estabilidade econômica e com as reformas que permitiriam acelerar o processo de crescimento (que depende de elevação da produtividade) sem o qual é difícil alcançar de forma expressiva a geração de emprego e renda de forma sustentável.
5. As reformas constitucionais, a começar pela previdência e tributária, são indispensáveis. Em 2019 é muito tarde?
PSM – A reforma da previdência e absolutamente inevitável, e terá que ser feita sob pena da inviabilização das finanças públicas no país e não apenas do governo federal como em vários estados e municípios. Idealmente, ainda em 2018. Se não der, como parece, em 2019, se não der, em 2020 e assim por diante. O mesmo se aplica necessidade de mudanças na área tributária: o nível da carga tributária no Brasil é, por larga margem, o mais alto dentre os países em desenvolvimento e superior ao de muitos países desenvolvidos. Sua composição é distorcida, deixa muito a desejar, e por último não menos importante, não ajuda o ambiente de negócios e o processo de investimento do qual depende o crescimento futuro.
6. Daria para traçar um paralelo entre a crise da década de 90 e a de hoje? Essa é mais uma vigorosa?
PSM – A história nunca se repete. Tivemos uma crise seríssima do início dos anos 80 até 1993. A situação agora, embora as sementes da crise de 2014 a 2016 tenham sido plantadas nos anos anteriores com a “nova matriz econômica” e as decisões desastrosas na área de petróleo (em 2009) e energia elétrica (em 2012) além da ocupação e aparelhamento da máquina pública para fins espúrios. A crise atual, ora em vias de recuperação cíclica foi grave, mas o Brasil aprendeu ao longo das últimas décadas, que existem situações muito difíceis, mas que isto não significa que não existam opções. A primeira delas é começar escolhendo pessoas adequadas (integridade e competência profissional) e capacidade de trabalhar em equipe, atraindo e retendo pessoas com espirito público.
7. O Plano Real foi uma experiência única no Brasil contemporâneo?
PSM – O plano real foi uma experiência única no sentido descrito acima, isto é, foi possível juntar pessoas (como Pérsio Arida, Edmar Bacha, Gustavo Franco, André Lara Resende, Murilo Portugal entre outros). Foi possível aprender com as próprias tentativas anteriores de combate à inflação no Brasil (Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II), e no resto do mundo (Israel, Chile, Alemanha e Hungria). Estamos comemorando, neste ano de 2018, 24 anos desde o lançamento do Real, que espero tenha vindo para ficar para sempre como a definitiva moeda nacional de relativamente estável poder de compra, o que significa preservar a inflação baixa, não porque este seja um objetivo único, um fim em si mesmo, mas porque a inflação baixa é a preservação do poder de compra do salário do trabalhador e condição sine qua non para o enfrentamento do descalabro em nossas finanças públicas e para retomada do crescimento do emprego e da renda com inclusão social no Brasil que queremos.
8. E o futuro do Brasil, considerando as crises moral e política, e ainda preocupantes taxas de violência? Qual o caminho que o ministro apontaria?
PSM – São os caminhos que estamos, a duras penas e aos trancos e barrancos, tentando seguir, ao tentar lidar com as disfuncionalidades do nosso sistema de representação política, com a crise moral de valores que estamos gradualmente tentando superar – e com a virtual falência do Estado na área de segurança pública em muitas unidades da federação. A nossa experiência recente mostrou que a bandidagem desarmada pode ser tão letal quanto a bandidagem armada para a erosão do capital cívico do País – e quão importante é resistir a isto.