“Os produtores rurais têm toda e absoluta razão de defender uma securitização”, diz o ex-ministro da Agricultura Alysson Paulinelli
Enquanto a pandemia instalada implode a economia e exige grande jogo de cintura dos governantes corre em paralelo a construção de um cenário sombrio para o carro-chefe da economia nacional: o agronegócio.
O período das chuvas se aproxima e com ele a oportunidade de realizar a melhor safra da história seria, naturalmente, um grande motivo de comemoração dos produtores rurais. Contudo, é uma realidade restrita aos grandes conglomerados exportadores de alimentos.
O endividamento rural está derrubando sonhos e planejamentos, instalando uma série de obstáculos alheios ao sucesso da colheita. E há olhos muito importantes, verdadeiras referências históricas, atentos a essa conjuntura.
Eles pertencem a Alysson Paulinelli, engenheiro agrônomo, ex-ministro da Agricultura e um dos fundadores da Embrapa no final dos anos 60. Para ele, as dívidas são consequência de “um erro que vem sendo alimentado por vários governos há décadas”.
Falta seguro rural
“O Brasil é o único grande produtor agrícola do mundo que ainda não tem seguro rural. Isso é uma distorção sem precedentes e responsável por tudo que assistimos de mazelas”, explica o ex-ministro.
“Veja que em 1974 nós criamos o Proagro a pedido das empresas de seguro, já que elas não tinham nenhuma informação sobre a agricultura brasileira, na época, uma importadora. Na verdade, elas queriam dados que as norteassem na formulação de produtos para o setor”, lembra.
Segundo o ex-ministro, foram cinco anos de trabalho com “muita má vontade do setor financeiro. Tanta que, ao final, todo o relatório foi deletado e só restou mesmo a legislação criada”.
Assim, o Proagro tornou-se o que é hoje, uma ferramenta acessível somente a alguns poucos produtores pequenos com recursos garantidos pelo próprio governo federal.
Isso causou a uma séria distorção conjuntural, já que para os médios e grandes produtores ainda não existe uma forma de assegurar a produção, levando todo o sistema a inúmeros resultados negativos.
“Vimos tudo o que aconteceu recentemente no Sul e até no Centro-Oeste do País, em função de uma seca severa que trouxe um endividamento descomunal, para quem já estava bastante endividado”, ilustra Paulinelli.
Iniciativa privada na ponta da lança
“Pior é que os bancos não perdoam, cobrando juros muito caros e aumentando demasiadamente a dívida. E isso precisa ser evitado. Logo, os produtores rurais têm toda e absoluta razão de defender uma securitização, já como forma de contornar o erro estrutural provocado pela falta de um seguro para a produção”, reforça o fundador da Embrapa.
O seguro atual alcança apenas 9% do setor. Para o agrônomo e ex-ministro, “se ele fosse democrático, as taxas seriam muito mais plausíveis e todo o sistema muito mais saudável, por todos os lados. Os riscos inerentes seriam barateados e a crescente aquisição e desenvolvimento tecnológico seriam minimizados com o passar do tempo”.
Paulinelli entende que o esforço atual do Governo é grande em assegurar com pouco mais de 1 bilhão de reais a produção, uma vez que falta dinheiro, em função da atual crise.
Mas ele estima que seriam necessários mais de 14 bilhões para proteger toda a produção e que já passou da hora da iniciativa privada, por meio das grandes empresas que atuam na comercialização da produção agrícola e dos bancos que oferecem crédito, aportarem os recursos necessários.
“Todos eles conseguem se defender fazendo um colchão de amortecimento para riscos, operando com taxas muito caras. Tem banco, inclusive oficial, que cobrou até 30% a mais somente para sair do risco. Isso é um absurdo e um terreno muito perigoso. Tais recursos seriam quase que suficientes para assegurar toda a produção”, conclui.
Dívida rural pode chegar a R$ 700 bilhões
O endividamento do setor rural se mostra crescente e impiedoso frente à capacidade dos produtores em honrar seus compromissos, como créditos contraídos para custeio e investimentos.
Em função de intempéries, deformidades de mercado e tropeços da macroeconomia, as constantes operações realizadas tipo “Mata-Mata” (quando se cobre empréstimos com mais empréstimos de juros maiores), têm mascarado os números de produtores rurais inadimplentes junto aos Bancos.
Conforme números fornecidos pelo BACEN (mar/2020), a dívida do setor de Agronegócio, consolidada junto aos Bancos é da ordem de 321 bilhões de reais.
“As ferramentas que o governo acredita ter sido suficientes para dar fôlego ao produtor, como as resoluções do Banco Central e circulares do BNDES, não são implementadas pelos bancos, deixando os produtores à deriva”, queixa-se Adilson Érida Borges, que possui fazenda no estado do Mato Grosso.
Já, em levantamento junto às 60 maiores tradings que atuam na comercialização de insumos, o endividamento ultrapassa R$ 173 bilhões.
Tais montantes somados aos demais, gerados pelas cooperativas de insumos (cerca de R$ 55 bilhões) e empréstimos em bancos internacionais (ACC voltados para o Agronegócio), eleva o montante para algo entre R$ 600 e 700 bilhões.
A Agricultura Familiar responde por 8% no endividamento enquanto a Empresarial – mais tecnificada e voltada à alta produtividade das lavouras – carrega 92% do passivo.
Securitização é a saída
Considerando que o Agronegócio Brasileiro possui receita de cerca de R$ 1,6 trilhão, esse endividamento é pouco menos da metade do que anualmente o setor que responde por 21% do PIB gera, e, portanto, passível de quitação.
“A saída mais sensata para o problema é a securitização das dívidas dos produtores rurais, assim como aconteceu em 1995”, sugere Jeferson Rocha, agricultor e diretor jurídico da Andaterra (Associação Nacional de Defesa dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra), uma das entidades que defendem a securitização.
Desta forma, os débitos seriam renegociados de 20 a 30 anos, com juros anuais abaixo de 4%, como prevê a Lei de Crédito Agrícola, que é constantemente desrespeitada por bancos e tradings.