MANIFESTO EM DEFESA DOS MUNICÍPIOS CATARINENSES SOBRE A CRISE FINANCEIRA
Em 2015, quedas notáveis ocorreram nas transferências constitucionais, ao qual totalizaram perdas em termos reais de R$ 400 milhões aos municípios catarinenses.
Considerações Iniciais
O Conselho Político da Federação Catarinense de Municípios – FECAM, integrado pelos prefeitos municipais e membros do Conselho Executivo, do Conselho Fiscal, do Conselho Deliberativo (Presidentes de Associações de Municípios) deliberaram pela realização de estudos que demonstram a situação de dificuldade financeira dos municípios catarinenses.
Esse estudo procura demonstrar que ao longo dos anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, aos municípios brasileiros foram transferidos centenas de programas e demandas no atendimento ao cidadão, os quais elevam de forma drástica e insustentável as despesas dos entes municipais sem a devida contrapartida dos recursos financeiros. Em 2015, esse cenário é agravado em virtude da desaceleração das atividades econômicas e da diminuição das transferências constitucionais aos Municípios, base arrecadatória da maioria dos municípios do estado. Essas características expressam grandes preocupações aos municipalistas quanto a continuidade dos serviços prestados à comunidade catarinense.
Mudança de Paradigma das Finanças Municipais
Com a formulação da nova Constituição Federal em 1988, houve a diminuição da concentração do poder político, o que alçou o fortalecimento dos estados e Municípios à condição de seu principal objetivo, que exigia, no que diz respeito às finanças públicas, o aumento do grau de autonomia fiscal dos estados e Municípios, a desconcentração dos recursos tributários disponíveis e a transferência de encargos da União àquelas unidades.
Não obstante à previsão de maior equilíbrio na partilha tributária, o que se observou foi a concentração dos recursos tributários por parte da União na ordem de aproximadamente 60%, enquanto para os Municípios, os recursos disponíveis são de apenas 17%.
De fato, a concentração é um dos principais motivos para o insuficiente nível de recursos dos Municípios. Além disso, conforme gráfico 1, sua dependência em relação às transferências constitucionais[1] tornou-se outro obstáculo para o atendimento das demandas sociais. Atualmente, 81,69% dos Municípios de Santa Catarina possuem mais de 50% de sua receita orçamentária resultante das transferências constitucionais supracitadas.
Desse modo, fica evidente a pressão que as transferências constitucionais exercem sobre as finanças municipais, em que qualquer variação no comportamento destas causa sério impacto local.
Dado pressuposto, cabe apresentar o desempenho dos repasses entre os anos de 2005 à 2015, conforme gráfico 2. Nesse período, consideráveis aumentos reais foram apresentados em todas as transferências constitucionais analisadas, exceto entre 2013-2015.
No período de 2013-2015 houve uma inversão drástica desse processo. Os repasses, sem exceção, apresentaram queda real de 7,21%, considerando o Índice Nacional de Preços do Consumidor Amplo (IPCA), acumulado para o mesmo período.
As transferências do FPM e do ICMS, principais receitas de aproximadamente 80% dos municípios catarinenses, obtiveram perdas reais de 5,36% e 8,86%, respectivamente, entre 2013-2015.
Esse comportamento totalmente adverso dos repasses se deve em especial ao cenário econômico de 2015, o qual é caracterizado pela forte queda na arrecadação dos tributos. A tabela 1 apresenta a evolução real das transferências constitucionais entre os anos de 2014 e 2015. Em 2014, houve crescimento real em todos os repasses, fato não ocorrido ano de 2015.
Tabela 1 Evolução Real[2] das Transferências Constitucionais dos Municípios Catarinenses
Transferências | 2014 | 2015 | |
Variação Real | ∆ | ∆ | Perdas (R$) |
FPM | 3,62% | -2,06% | 55.013.604,02 |
ICMS | 4,79% | -5,95% | 216.594.031,48 |
IPVA | 3,94% | -2,57% | 16.898.482,17 |
FUNDEB | 5,46% | -5,20% | 113.299.684,41 |
Total das Perdas em 2015 | 401.805.802,08 |
A evolução das transferências constitucionais (ICMS, FPM, IPVA e FUNDEB) refere-se ao acumulado entre janeiro e outubro para os períodos analisados
Fonte: Portal de Transferência Constitucional – Elaboração: FECAM
Em 2015, quedas notáveis ocorreram nas transferências constitucionais, ao qual totalizaram perdas em termos reais de R$ 400 milhões aos municípios catarinenses.
As dificuldades enfrentadas pelos gestores públicos municipais para o cumprimento das normas de responsabilidade fiscal são reflexo direto da política de desoneração praticada pelo governo nos últimos anos, além da desaceleração da atividade econômica e do aumento das responsabilidades.
O Ente Municipal no Sistema Federativo e a Transferências de Encargos Administrativos
No contexto federativo brasileiro, o Município é dotado de autonomia político- administrativa, capaz e suficiente para gerir as ações de governo junto as suas comunidades locais. Na prática, para exercer a plena capacidade na crescente demanda de serviços e ações a que é submetido, faz-se necessária profunda revisão no modelo federativo brasileiro, que concentra na União a maior parte das receitas arrecadadas e o poder discricionário na definição das políticas públicas, impondo a sua execução aos entes Municipais.
A Constituição da República dispõe sobre o núcleo das competências comuns dos entes federativos em seu artigo 23, tendo em seu parágrafo único o comando para que cada uma dessas competências sejam reguladas por meio de lei complementar:
Artigo 23, incisos I a XII: Zelar pela saúde, educação, meio ambiente, fauna, flora, patrimônio natural, cultura, ciência, agropecuária, habitação, saneamento básico, combate à pobreza, recursos hídricos, trânsito.
Artigo 23, Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
Ressalvadas as atribuições do governo central na regulação da economia, na manutenção da segurança nacional e da soberania do estado brasileiro, na execução das obras estruturantes ao País que garantam o seu pleno desenvolvimento e no fortalecimento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, todas as demais atribuições estatais em favor da população brasileira estão gradativamente sendo transferidas aos municípios, por força do descrito no artigo 241, da Constituição Federal de 1988:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Esse fenômeno da municipalização decorre da regulamentação do parágrafo único do art. 23, concomitante ao art. 241, da Constituição Federal, que permitem a definição das políticas públicas e encargos pelo governo federal, com a consequente transferência dos serviços públicos às administrações municipais por meio de programas e convênios, os quais vêm se configurando num cenário de completa sobrecarga aos Municípios, no que diz respeito à divisão de responsabilidades na prestação de serviços básicos à população
O descompasso entre a elevação das responsabilidades e a diminuição das receitas tornam-se fatores relevantes para deteriorar o quadro vigente. O gráfico 3 compara a evolução real das despesas e receitas orçamentárias dos municípios catarinenses. No gráfico, o fenômeno da municipalização é evidenciado claramente para os períodos de 2005-2008 e 2013-2014. Nessas duas fases, o crescimento das despesas municipais foram superiores ao da arrecadação. A gravidade da situação se configura no último período (2013-2014), onde o aumento das despesas foi de 6,17 pontos percentuais (p.p.) acima do apresentado pelas receitas.
A municipalização dos serviços e programas Federais e Estaduais obrigou os Munícipios a contratação de novos profissionais, o que resultou no aumento expressivo das despesas com pessoal. O gráfico 4, apresenta a evolução dos principais custos dos municípios. De forma geral, as despesas com pessoal, combustível e energia elétrica obtiveram crescimentos vultosos em todos os períodos analisados. Entre 2005 e 2012, o crescimento dos gastos com pessoal foi de 161%, para a energia elétrica e combustível, considerando o IPCA, os acréscimos foram de 15,45% e 13,09%, respectivamente.
O acréscimo nos custos de pessoal é contínuo para os Municípios em virtude do aumento das demandas sociais e das novas responsabilidades assumidas anualmente. Fato novo dentro desse cenário ocorreu expressamente em 2015. O aumento exacerbado no nível de inflação corroeu as receitas municipais e aumentou custeio dos serviços públicos, em especial energia elétrica e combustível. No acumulado dos últimos 12 meses, o IPCA combustível foi de 17,64% e o IPCA energia elétrica, 52,30%.
O elevado aumento em relação aos níveis de preços comparado à diminuição da arrecadação, em 2015, colaborou em grande medida para acentuar a crise financeira dos Municípios. O resultado dessa situação é apresentado no gráfico 5, que mostra o comprometimento da receita corrente líquida com relação as despesas com pessoal em 2014 e 2015.
Diversos fatores econômicos influenciaram decisivamente o acréscimo de 2,74 p.p. nos gastos de pessoal entre 2014 e 2015, passando de 45,09% para 47,83%. De forma geral, esse acréscimo é resultante do aumento das despesas com pessoal na ordem de 13,74%, valor maior que o apresentado pelo incremento das receitas correntes líquidas no mesmo período (7,23%).
O gráfico 6 analisa as despesas com pessoal por Município para o ano de 2015 e o limite prudencial estabelecido no artigo 22, parágrafo único, da lei de complementar nº 101 de 2000. Atualmente, de acordo com as informações de 168 municípios, 25% estão no limite prudencial e 7,14% estão acima do limite de despesa com pessoal estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
No cenário vigente, a atualização dos salários com base no IPCA e a diminuição real das transferências constitucionais corrobora para inflamar o custeio de pessoal dos Municípios, tornando assim, insustentável a manutenção dos limites estabelecidos na LRF.
Durante os últimos anos, os municípios assumiram novas obrigações relativas à prestação de serviços de saúde, educação, assistência social, habitação, entre outros, competências até então inexistentes ou prestadas pela União ou Estados e que passaram a onerar os cofres municipais.
Em 2014, os Municípios de Santa Catarina tiveram ônus de mais de R$ 66 milhões no custeio desses programas. De acordo com o gráfico 7, na área da educação, os Municípios assumiram em torno de 51% do custeio para a manutenção do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
No Programa de Estratégia da Saúde da Família (ESF), as responsabilidades para o custeio são de 60% para os Municípios e 40% para os demais entes da Federação. No caso do Programa Assistência Farmacêutica Básica, para sua manutenção, apenas 35% dos recursos oriundos de transferências e 65% são relativos a recursos próprios dos Municípios.
Além dos repasses serem significativamente inferiores aos custos de manutenção dos programas, a maioria dos programas está com os recursos defasados, ou seja, não foram corrigidos pela inflação do período.
Na área da educação, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), tem defasagem de 31,31% no valor repassado por aluno, o que proporciona perdas na ordem de R$ 6 milhões aos Municípios catarinenses em 2015.
Na saúde, a defasagem do repasse aos programas Equipe Saúde da Família (ESF) e Equipe Saúde Bucal (ESB) resulta em perdas R$ 88,81 milhões aos cofres das prefeituras catarinenses. A maior perda está no ESF, com defasagem de 62,96%. Estima-se que em 2015 os Municípios catarinenses deixaram de receber mais de R$ 80 milhões em relação a esse programa.
Conclusão
Fica demonstrado nesse levantamento que os municípios são coagidos a celebrar convênios ou programas para o atendimento das demandas da comunidade, que exigem contrapartida de recursos muito superiores aos auxílios financeiros prestados pela União e Estado. A prática de municipalização de políticas públicas acarreta a ampliação da estrutura física e de recursos humanos para o atendimento da população, implicando em aumento das despesas públicas dos Municípios.
Em suma, diferentes motivos e fatores interferiram diretamente na gestão municipal e ocasionaram a Crise Financeira dos Municípios. Tal fato corrobora para a insustentabilidade da manutenção e ampliação dos serviços públicos municipais.
Os dados apresentados são apenas parte das inconsistências do modelo federativo brasileiro, que privilegia a concentração do poder e da arrecadação na União e Estados, especialmente para a formação e regulação das políticas públicas, programas, conferências que aumentam as demandas e a descentralização dos serviços a serem executados pelos Municípios.
Agravam-se essas distorções com a insuficiência das transferências financeiras para manter esses serviços pelos Municípios.
“Os Municípios Brasileiros Pedem Socorro”.
Na foto, José CAramori (E) e o presidente do TCE, Luiz Roberto Herbst
Foto: divulgação