Quando o Prefeito eleito por Florianópolis, assumiu seu primeiro cargo público, como vereador em 1992, a Prefeitura de Florianópolis, possuía ao todo cerca de 86 cargos comissionados. O Prefeito eleito, Sérgio Grando, foi também escolhido pelas urnas através de uma coligação (Frente Popular) com diversos partidos, e pra piorar, Grando não tinha maioria na câmara de vereadores, porém com sua histórica habilidade nunca perdeu uma só votação, pois os mandatários da época tinham sim, um elevado espírito público.
Gean era o vereador mais novo, até então eleito, creio eu, e esse capítulo da cidade acompanhei bem de perto, ele como vereador e eu como Secretário Adjunto, daquele governo, tínhamos em comum a juventude e a origem de nossas famílias, ambas vindas da prazerosa Coloninha. Passados 24 anos muita coisa mudou, os cargos comissionados saltaram de pouco mais de 86 para quase 700 cargos comissionados. Funções gratificadas, ate então preenchidas por servidores de carreira, foram convertidas em cargos comissionados, ocupados por pessoas não formadas no nos quadros municipais.
Destaco isso, pois esse é o primeiro e mais fácil embate para ser resolvido por todos os prefeitos no início do seu mandato.
O pesos dos cargos comissionados no Brasil, é um dos assuntos que jamais saem de pauta, principalmente quando são traçados comparativos com outros países, vejamos alguns exemplos:
1) Os EUA, que tem uma população de 300 milhões de habitantes, há 7.000 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público;
2) Nosso vizinho Chile, que tem 17 milhões de habitantes, há 800 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público;
3) Na Inglaterra, que tem uma população de 50 milhões de habitantes, há 500 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público;
4) Na França e Alemanha, que têm 65 milhões e 81 milhões de habitantes respectivamente, há apenas 300 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público.
No Brasil, onde temos cerca de 200 milhões de habitantes, há 600 mil cargos em comissão ocupados por particulares sem qualquer tipo de concurso público, nos três entes Federativos (União, Estados e Municípios), considerando dentro deste número os três poderes (executivo, Legislativo e Judiciário).
Para os servidores efetivos a regra é sempre o concurso público, art. 37, II, CF, e logo os cargos em comissão, devem preferencialmente ser transitórios.
O que assistimos, nos três entes é uma burla desse Princípio, com o aumento assustador dos cargos comissionados.
É de se destacar que a Emenda 19/98 tentou corrigir essa perversão do sistema, ao alterar o inc. V, art. 37, CF, porém o resultado foi infrutífero, ainda que a mesma determinasse que um percentual mínimo dos cargos em comissão fossem ocupados por servidores concursados, mas poucos Estados e Municípios, e também a União, legislaram para dizer qual seria este percentual mínimo.
Por certo, em verdade, o que ocorre no Brasil, em muitas vezes é uma prática imoral, realmente contrária ao princípio da moralidade, este insculpido no art. 37, caput, CF, de se lotear cargos públicos que deveriam ser ocupados apenas por servidores públicos concursados, um desestímulo à muitos servidores de carreira
Nos próximos dias, novos prefeitos estarão tomando posse no comando das cidades, alguns reeleitos e outros em exercício de novos mandatos. A situação que a maioria encontrará as prefeituras será calamitosa.
Nesse momento, com base nos dados do Tesouro Nacional, apenas em Santa Catarina cerca 90,4% dos Municípios são deficitários, ou seja gastam mais do que arrecadam, arrastando milhares de fornecedores consigo, deixando os famosos restos a pagar, quando passamos para os Estados, mais da metade dos governos estaduais está pagando salários com atraso ou em parcelas. Sete Estados não sabem sequer se poderão pagar o 13° ao funcionalismo.
Como sempre, de forma à encontrar culpados parte dos governadores põem a culpa na queda da arrecadação, porém olhando um pouco mais de perto, o que vemos é um acúmulo de anos e anos de má gestão, aumento de gastos acima do tolerável.
Em estudo divulgado pelo Tesouro Nacional, órgão do Ministério da Fazenda, fica evidente o descompasso da gastança promovida pelos governadores. A receita disponível cresceu 26% entre 2012 e 2015. Portanto, não é verdade que houve uma queda generalizada nos recursos. O desequilíbrio ocorreu porque as despesas avançaram em um ritmo muito maior. O gasto com a folha de pagamento cresceu 33%.
Nesse mesmo período, apenas a conta da previdência do servidores, aumentou quase 60% em apenas quatro anos. Em média, a cada 10 reais gastos pelos governos estaduais, 6 vão para a folha de pagamento. É evidente que as contas estaduais só chegaram a essa situação porque, em vez de controlarem os gastos, as gestões optaram pela contabilidade criativa. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe um limite para o comprometimento da receita com a folha de pagamento. O teto para os estados é de 60%, considerados os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. Os governos que estejam perto desse limite ficam proibidos de conceder reajustes salariais ou criar vagas. Na intenção de fugirem das sanções, os governadores recorreram aos tribunais de contas dos estados para mudar a maneira de calcular as despesas com os servidores. Há estados que excluíram bonificações (gratificações e verbas indenizatórias, por exemplo) no cálculo final, e logo uma série de processos administrativos internos encontraram gratificações com cunho indenizatório 9auxílio moradia, auxílio deslocamento, auxílio-creche…) sempre pagos retroativos, alguns à mais de 10 anos, fazendo com que essas verbas de natureza indenizatória criam os famosos salários que são divulgados pela internet, fazendo corar os mais insensíveis rostos. Sobre esses valores, de natureza indenizatória, não se recolhe nem IRPF e nem mesmo contribuição social, num verdadeiro deboche.
Dessa maneira se burla a LRF, que foi responsável pela disciplina fiscal dos Estados no início da década passada, torna-se letra morta. Considerando a metodologia do Tesouro, há oito Estados desobedientes. No caso de Minas Gerais, o gasto com a folha é de 18 pontos porcentuais acima do limite legal.
Em janeiro, os novos prefeitos encontrão fornecedores com os serviços suspensos, servidores municipais com salários atrasados e tudo isso num quadro de abandono das cidades, por total falta de receitas para o custeio.
Para os novos Prefeitos, é fundamental esses 90 dias de transição que permite identificar onde e como atacar, sem tempo para parar e conhecer a maquina, como se diz nas ruas precisa chegar causando.
Logo muitas medidas emergências devem ocorrer nas primeiras semanas do mês, certamente à de resultado imediato será a redução de juros e multa (anistia) para o pagamento dos tributos em atraso (IPTU e ISS) por possuírem maior impacto, esse é um velho receituário, mas cada vez menos eficaz.
Ao mesmo tempo deve ser ampliado o desconto para pagamento do IPTU em cota única, sendo que no caso de Florianópolis, esse exercício já foi antecipado, fazendo que em Fevereiro a Prefeitura Municipal tenha sim, uma considerável dificuldade de caixa.
As dimensões da atual crise, certamente nunca antes foram sentidas em igual proporção, pela maioria absoluta das pessoas. Afinal sempre que a economia entrava em crise, o Governo com a sua capacidade de intervir, acabava tirando um coelho da cartola, dessa vez, como já foi dito não há coelho na cartola e nem cartas na manga, é capaz de nem ter mais cartola. O Estado brasileiro, esse gigante paquidérmico, que em tudo pretende participar, e que em muito pouco se mostra eficiente, chega ao seu momento de esgotamento. Catalisado pela recessão, que deve levar o país há quatro anos sem crescimento (2014 a 2017), o modelo que é movido pela necessidade do crescimento contínuo do consumo, afinal os maiores tributos em arrecadação são baseados no crescimento permanente da aquisição em produtos de valor agregado (ICMS, IPI e IRPJ), sofre o seu esgotamento. A queda de Receita Patrimonial dos Estados Brasileiros, já alcança 27% no ano, com raras exceções, situação que piora nos Municípios.
No mesmo período em que a Receita Patrimonial dos Estados, cai quase 1/3, as despesas com pessoal já cresceram 14,8%, quadro que se repete na maioria absoluta das Prefeituras. Nesse momento os reajustes de algumas poucas categorias de privilegiados evidencia a falta de sintonia entre o serviço público e a sociedade.
Nesse instante de queda das arrecadações acabamos por mascarar os sucessivos recordes de arrecadação atingidos pelos Municípios até antes da atual crise, onde por mais de uma década a arrecadação das prefeituras cresceu todos os anos com índices superiores a inflação.
Colocar a culpa no Pacto Federativo, desvirtua o diagnóstico da principal causa da doença, o fato em que as Prefeituras estão cada vez mais inchadas e carregadas de cargos comissionados e novas e mais secretarias. Veja por exemplo quantas são as cidades que nesse momento realizaram uma redução no número de secretarias ou de cargos comissionados?
Os Prefeitos, em sua grande maioria nesse momento preferem lamentar e jogar o real problema para as costas do próximos gestor municipal. Em um verdadeiro jogo de empurra empurra.
É preciso refundar a base e as formas de arrecadação, pois já existe um esgotamento da capacidade contributiva do contribuinte nesse modelo tributário. Sem o aperfeiçoamento dessas novas formas de receitas, teremos gestões sem novas obras, e com constante atrasos no pagamento de pessoal e fornecedores.
A quebra dos Municípios vai se dar pelo esgotamento do modelo, o gestor público que mais rápido entender isso, certamente salvará seu mandato e seu projeto político e os cidadãos agradecem por estarem em cidades melhores, bem como a iniciativa privada que nesse momento uma ótima oportunidade para ofertar melhores serviços. A solução parte por acelerar as concessões e permissões, sendo ou não através de PPPs.
Atualmente o país tem 76 PPPs em funcionamento, sendo 46 estaduais, 29 municipais. Para se ter uma dimensão do interesse, somente neste ano foram publicados cerca de 80 Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs), o estágio inicial de uma PPP, em que os governos recebem propostas da iniciativa privada sobre determinado projeto, baseadas em estudos preliminares. O número é equivalente ao total de PPPs assinadas de 2006 para cá e 50% a mais do que os 53 PMIs registrados em 2014, o que sinalizaria a tendência de expansão dessa modalidade de concessão pública.
É evidente que governos, precisam dialogar mais com os setores produtivos da sociedade para melhor identificação das demandas., pois é grande o número de PMIS que não se convertem em PPP, logo o papel da Fecomércio e da FIESC, é fundamental para identificar demandas e aproximas as Prefeituras do empresariado.
Essa aproximação, a busca de modelos transparente vai fazer o processo de recuperação acelerar, ofertando oportunidades para inciativa privada e melhoria nos novos serviços ofertados, afinal é fundamental diminuir a desconfiança existente na relação, resultado dos inúmeros projetos frustrados. Para se ter uma noção dos 54 procedimentos publicados em 2013, só dois resultaram em contratos. É evidente que a desconfiança e desconhecimento emperram a adoção do sistema. Muito se tem falado e pouco se tem produzido para que se comece a colocar em prática as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Apontadas como a melhor alternativa para recuperar a capacidade de investimento do poder público, as PPPs ainda padecem de desconfiança do setor privado e de desconhecimento dos agentes públicos. Sobretudo de estados e municípios que ainda não perceberam as oportunidades que podem ser abertas nas suas esferas de poder.
Quem está disposto a discutir a melhoria do serviço público, e acredita que as PPPs podem servir para isso, deveria refletir em que setores e em quais instâncias elas seriam mais úteis. Deram certo, por exemplo, na construção e na administração de penitenciárias na Inglaterra.
O Princípio da Eficiência, previsto no artigo 37, e que rege a Administração Pública, deve ser mensurado na qualidade dos serviços públicos prestados por ela, logo reduzir a máquina e recuperar a capacidade de investimento será a chave para os homens públicos com projeto de Estado, ainda que estes estejam em falta.
As primeiras declarações, de Gean estão no caminho da redução dessa pesada máquina, e sobre estão depositadas as esperanças de milhares de pessoas que veem na sua paixão pela vida pública um catalizador para fazer as coisas acontecerem.
Um prefeito que caminha nas ruas, sabe bem mensurar as demandas, mas é preciso quebrar alguns tabus, enfrentar velhas alianças e fazer novas alianças com o capital produtivo da cidade.
Em São paulo, João Dória já aponta alguns caminhos, com propostas que nos fazem refletir, a venda de ativos municipais que não guardam relação com o propósito da administração Municipal, a redução dos cargos comissionados e do número de secretarias, o fim dos carros municipais, e utilização de taxi e Uber 9 ou equivalente) pelas autoridades municipais, afinal não precisa ser gênio para identificar que carros municipais requerem motoristas, manutenção e aposentadoria desses, ou seja uma frota de 60 carros municipais quando desativada proporciona a economia de alguns milhões anuais.
São medidas que tem um efeito econômico e pedagógico, sem a redução do tamanho das Prefeituras e a assunção de funções públicas pelo particular, os planos de governo dos prefeito serão sempre meras promessas de campanha.
O desafio está lançado para Gean, e os novos prefeitos eleitos, o de apresentar novas soluções para velhos problemas. Afinal se tentar contentar a todos, vai acabar não contentando ninguém.
Charles M. Machado