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História: O impeachment de Fernando Collor

Economista renomado, Luiz Carlos Mendonça de Barros (foto interna), publicou o texto abaixo na sua página no Facebook. Ele traça um breve resumo do livro “O impeachment de Fernando Collor”, do professor Brasilio Sallum Jr. O tema é atualíssimo, permitindo traçar um paralelo com o que ocorreu há 23 anos e o momento atual. Vale a leitura:

“O impeachment de Collor e o não impeachment de Dilma

Quer saber tudo a respeito da cassação de Collor (foto de capa)? Então leia “O impeachment de Fernando Collor”, livro do sociólogo e professor da USP Brasilio Sallum Jr. recém-lançado pela Editora 34. Todo o processo da destituição de Collor pelo Congresso foi descrito e analisado minuciosamente por Sallum Jr. É quase um passo a passo do impeachment. Não é um livro jornalístico. É essencialmente acadêmico. Mas as citações de autores e a exposição de teses e teorias sociológicas ou políticas não comprometem a fluidez do texto, com a vantagem de acrescentarem solidez analítica à exposição desenvolvida pelo autor.
Passados quase 23 anos, as referências feitas atualmente ao impeachment de Collor deixam com frequência a impressão de que a derrubada do presidente foi um processo relativamente fácil que progrediu quase automaticamente a partir do acúmulo de evidências conectando o ex-presidente às falcatruas de Paulo César Farias. Não foi assim. O livro de Sallum Jr. deixa claro que, a despeito de Collor ter desperdiçado sua bala de prata contra a inflação, de ter confiscado boa parte da poupança dos brasileiros, de ser um presidente impopular, de estar filiado a um partido fraco (o PRN) e de ter abrigado em seu governo – ou próximo a ele – algumas figuras suspeitas, sua destituição foi um processo trabalhoso e complexo, cheio de idas e vindas. Exigiu muito esforço e capacidade de articulação entre movimentos sociais organizados e as forças político-partidárias que se opunham a Collor.

Mesmo após a bombástica entrevista de Pedro Collor de Mello à revista Veja na qual ele acusou PC Farias de ser testa de ferro do irmão presidente, lideranças políticas importantes à época, como Ulysses Guimarães, Orestes Quércia, Fernando Henrique Cardoso, Ibsen Pinheiro, entre outros, relutaram bastante em aderir ao impeachment do presidente. Afinal, como se tratava do primeiro presidente eleito pelo voto popular após o fim da ditadura militar, a queda de Collor poderia parecer um atestado da incapacidade eleitoral do povo. Havia, além disso, receio de que o processo de impeachment pudesse gerar uma crise institucional capaz de agitar os quartéis. Existiam também dúvidas quanto ao preparo do vice-presidente Itamar Franco, considerado um político teimoso e mercurial, para assumir a Presidência da República.
O empresariado e os barões da imprensa também resistiram ao impeachment. E, segundo Sallum Jr, até o PT, o partido de oposição mais estridente contra Collor, não esperava que a CPI criada, sob liderança dos petistas, para investigar PC Farias pudesse resultar na cassação do presidente. O objetivo do PT era usar a CPI para desgastar Collor e não para derrubá-lo.
Sallum Jr. mostra que a construção do impeachment ocorreu aos poucos pela ação conjunta de dois atores: 1) a aliança partidária de centro-esquerda encabeçada por PMDB, PSDB e PT; 2) entidades e movimentos sociais organizados (OAB, CNBB, ABI, UNE, CUT entre outros) agrupados no MEP (Movimento pela Ética na Política). Por certo, o surgimento das provas que conectavam financeiramente PC Farias a Collor (o Fiat Elba e os cheques de laranjas que pagavam despesas pessoais do presidente e da primeira dama) foi fundamental para pavimentar o caminho do impeachment. Mas sem o trabalho articulado desses atores o processo não teria avançado. As manifestações populares entraram tardiamente nessa equação. Os protestos contra Collor somente se avolumaram para valer após 16 de agosto, um mês e meio antes de sua queda, quando a população saiu às ruas trajando preto em desafio ao apelo presidencial para que seus eleitores vestissem verde e amarelo como demonstração de apoio a ele.
A confluência de todos esses fatores criou naquele momento – meados de agosto de 1992 – forte e amplo consenso político e social a favor do impeachment. Aí sim caiu a ficha para todo mundo de que a queda de Collor era inevitável e o melhor a fazer seria acelerar o processo. Somente então Ulysses Guimarães pronunciou a frase – “você (Collor) pensa que é presidente, mas não é mais” – resgatada por Fernando Henrique Cardoso nesta semana na nota onde sugere à presidente Dilma que renuncie. Ulysses no final de agosto após os principais ministros de Collor terem apresentado ao país o “manifesto pela governabilidade” no qual anunciaram que permaneceriam em seus cargos embora, deixaram evidente, não reconhecessem mais a autoridade do presidente. Na prática, como logo percebeu Ulysses, a atitude dos ministros representou a “deposição branca” de Collor. Conforme está citado na página 325 do livro, a frase literal de Ulysses foi a seguinte: “agora, quem mantém o governo funcionando é o ministério; isso significa que o presidente não é mais o presidente da República, pois não manda mais”. Menos de um mês depois, 441 deputados votaram a favor da abertura do processo de impeachment contra Collor de Mello e o obrigaram a deixar a Presidência da República.
Voltando a 2015, estamos evidentemente muito distantes de uma situação similar à que levou Ulysses a dizer que Collor não era mais presidente. Apesar de alguns aspectos conjunturais semelhantes – crise econômica, impopularidade e fraqueza política do governo, um escândalo de grandes proporções e visibilidade envolvendo figuras do campo governista – não há neste momento sinais de que a dinâmica que custou o mandato de Collor irá se estabelecer.
Certamente, em comparação ao que ocorreu com Collor, haveria menos convergência política e social no caso de impedimento de Dilma. Independentemente do que vier do TCU e da Lava Jato, a destituição de Dilma não seria tão consensual quanto a de Collor. Mesmo assim, uma confluência relevante de interesses e ações político sociais seria fundamental para viabilizar o processo de impeachment contra Dilma.
Conforme alertamos na Carta Política 25 de primeiro de julho último, houve um ciclo de acirramento das turbulências políticas. O pico desse ciclo ocorreu há duas semanas, quando setores do PSDB e do PMDB parecem ter começado a conversar com o intuito de compor uma aliança para arquitetar o caminho do impeachment de Dilma. As conversas não avançaram porque mesmo dentro desses dois partidos, fundamentais para operar o impeachment, não há convergência suficiente a favor da destituição da presidente. Adicionalmente, o chamado “acordão”, cujo articulador mais visível é Renan Calheiros, bloqueou a possibilidade de que tal convergência seja constituída. Por enquanto, portanto, noves fora a possibilidade de a Lava Jato bagunçar novamente o quadro político, o cenário de permanência de Dilma até o final de seu mandato tornou-se amplamente dominante.”

Foto: Revista Veja, arquivo

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