A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e o Coletivo Catarinense: Verdade, Memória e Justiça realizam na próxima quarta-feira (9), ato comemorativo aos 67 anos da Declaração dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Na ocasião serão homenageados catarinenses que foram perseguidos, torturados ou mortos pela ditadura militar.
Serão homenageados: Alceri Maria Gomes da Silva, Dibo Elias, Eugenio Doin Vieira, Francisco de Assis Soares, Francisco José Pereira, Frederico Eduardo Mayr, Gil Braz de Lima, Hamilton Fernando Cunha, Rômulo Coutinho de Azevedo e Sérgio Giovanella.
“Estamos vivenciando um período nebuloso, com os direitos humanos afrontados pela escalada da violência e por movimentos que pregam a volta do autoritarismo. As atrocidades da ditadura militar não podem ser esquecidas. Conquistamos a liberdade e a democracia com muito sacrifício, muita luta e muitas mortes. A luta pela democracia sempre estará viva na luta e na história de catarinenses e brasileiros que lutaram contra o regime militar”, afirmou o presidente Comissão de Direitos Humanos, deputado Dirceu Dresch (PT).
Histórico dos homenageados
Alceri Maria Gomes da Silva: Nasceu a 25 de maio 1943 em Cachoeira do Sul (RS). Começou a participar do movimento operário em Canoas (RS) e, por influência do advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, entrou na luta contra a ditadura. Em julho de 1969, despediu-se de sua família, dizendo à sua irmã Clélia, residente em Blumenau (SC), que ia para São Paulo continuar a luta contra a ditadura militar.
Foi assassinada com quatro tiros, sendo dois pelas costas, em São Paulo, em 17 de maio de 1970, quando sua casa foi invadida por agentes da Operação Bandeirantes, guiados pelo capitão do Exército Maurício Lopes Lima.
A família não recebeu atestado de óbito, nem foi informada do local do sepultamento. Segundo investigação da Comissão da Verdade de SP, é provável que tenha sido enterrada no Cemitério de Vila Formosa como indigente.
Dibo Elias: Nascido a 22 de maio de 1904, em Palhoça, era morador de São José (SC). Histórico militante do Partido Comunista do Brasil, com Manoel Alves Ribeiro, o Mimo, e Álvaro Ventura, trabalhava na gráfica mantida pelo PCB, que funcionou por dez anos, tendo como fiador o ex-governador Aderbal Ramos. Foi presidente do Sindicato dos Gráficos de Florianópolis.
Por algum tempo viveu com Alice Backs tendo um único filho, Pedro Paulo, já falecido.
Era terceiro sargento da Polícia Militar, dotado de estupenda capacidade de trabalho.
Detido e processado em 1964, ao ser solto foi proibido de atravessar a ponte. Conseguiu alojamento no quartel da PM onde tomava café todas as manhãs. Candidato a senador pelo PCdoB em 1986, ajudou a consolidar a sigla partidária.
Eugenio Doin Vieira: Nasceu em São Francisco do Sul, filho de Bento Águido Vieira e de Celina Clara Doin Vieira. Formou-se em Direito em 1955.
Casou com Ângela Maria Garcia Evangelista Vieira, com quem teve Francisco Afonso, Paulo Afonso, Teresa Maria e Eugênio Carlos.
Do segundo casamento, com Helga Klug Doin Vieira, teve os filhos Glaucia Beatriz, Glauco e Maria Eugênia.
Teve destacada atuação na vida pública catarinense. Foi professor da UFSC, presidente do INSS, funcionário do Banco do Brasil, Secretário da Fazenda no governo Celso Ramos e deputado federal.
Ao lado de Lígia Doutel de Andrade e Paulo Maccarini formava a bancada federal do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) de Santa Catarina na Câmara dos Deputados (1967-1971).
Foi cassado e teve os direitos políticos suspensos por dez anos pelo disposto no artigo 4 do Ato Institucional Número 5 – AI5 , expedido pelo decreto de 16 de janeiro de 1969.
Faleceu por complicações pulmonares em São Paulo em 7 de agosto de 2009. Francisco de Assis Soares: Nasceu a 31 de julho de 1931. Casou com Maura Santos Soares, com quem teve quatro filhas. Era servidor público da saúde e protético, profissão aprendida com o dentista Gil Ungaretti, sua influência política.
Getulista, fundador do PTB, foi vereador de 1961 a 1966. Preso em 1964, acusado de comunista, subversivo e dirigente do grupo dos 11, ficou desaparecido por 40 dias. Seu paradeiro foi comunicado pelo exército ao chefe do posto de saúde onde era enfermeiro de leprosos. Depois de mais 40 dias incomunicável foi transferido para a cadeia de Laguna.
Fundador do MDB, no estado e em Laguna, candidatou-se a prefeito e foi o mais votado, mas não assumiu a prefeitura, em função do sistema de legenda criado pela ditadura. Foi candidato a deputado estadual.
É então procurado por integrantes da Arena e, vendo vários companheiros presos, mortos ou desaparecidos e a luta armada enfraquecendo, filiou-se à Arena.Elegeu-se prefeito em 1973 e fez um governo de esquerda. Fez a reforma urbana, criou saúde da família, construiu as chamadas escolas isoladas, o ginásio de esporte, o fórum, o monumento Marco do Tratado de Tordesilhas, a Praça da Anita Garibaldi e o museu. Transformou Laguna em patrimônio histórico.
Cumpria seu compromisso, abrigando companheiros, escondendo outros e ajudando na parte financeira dos movimentos. Mudou de estratégia, mas nunca suas crenças. Suas atividades foram descobertas e teve seu mandato cassado em 1975. Foi processado, sendo julgado e absolvido somente após a abertura política.
Francisco José Pereira: Nasceu em Florianópolis, em abril de 1933. Aos 19 anos ingressou no jornalismo da capital. Trabalhou no jornal Diário da Tarde, O Invicto (1953 a 1954), Unidade (1959-1963) e Folha Catarinense (1963 a 1964), cuja gráfica foi destruída após o golpe militar de 1964.
Na imprensa de caráter cultural, foi um dos editores do suplemento Letras e Artes do jornal O Estado (1957). Foi redator do jornal Roteiro, onde publicou seus primeiros contos (1958). Colaborou com as revistas Sul e Litoral, com a publicação de diversos contos.
Ingressou em 1955 na Faculdade de Direito de Santa Catarina e teve ativa participação na política estudantil.
Em julho de 1955 ingressou no Partido Comunista Brasileiro.
Formado em Direito em 1959, foi advogado do Sindicato dos Mineiros de Criciúma. Em 1961, transferiu-se para Blumenau e, com escritório de advocacia trabalhista, dedicou-se às demandas da classe operária (1962-1964).
Membro da Executiva Estadual do PCB, foi preso em 1º de abril de 1964, mantido em cárcere por sete meses no Quartel da Polícia Militar do Estado do Paraná e condenado a 12 anos de reclusão.
Evadiu-se da prisão e asilou-se na Embaixada da Bolívia, deixando o país em janeiro de 1965. Viveu no exílio por 15 anos, regressando ao Brasil em maio de 1980, sob o amparo da Lei de Anistia.
No exterior, foi contratado como consultor de organismos especializados em desenvolvimento socioeconômico da ONU, atuando em diversos países da América Latina e na África.
No regresso, ocupou diversos cargos. Foi diretor da Cobal, diretor do IPUF, presidente estadual do PPS de 1994-1996.
Em 1996, fundou a Editora Garapuvu, editando autores catarinenses.
Recebeu em 2005 a Medalha do Mérito Anita Garibaldi, do governo do Estado, e o Título de Cidadão Blumenauense. Em 2009 recebeu a Comenda do Legislativo Catarinense.
Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Ocupou a cadeira 5 da Academia Catarinense de Letras, de 2005 a 2012.
Frederico Eduardo Mayr: Nasceu em Timbó (SC) a 29 de outubro de 1948.
Cursava o segundo ano da faculdade de Arquitetura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e se dedicava às artes plásticas. Por sua participação no movimento estudantil foi forçado a sair de casa e embrenhar-se na clandestinidade, perseguido pela repressão.
No dia 23 de fevereiro de 1972, andava na Avenida Paulista, em São Paulo, quando foi baleado e preso pelo DOI CODI. Sangrava e mesmo assim foi torturado, quando morreu, em 24 de fevereiro de 1972.
Frederico Eduardo estava desarmado na hora da prisão, não teve nenhuma chance de defesa. Era a política de atirar primeiro e perguntar depois. A Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos encontrou sua ficha individual no arquivo do DOPS de São Paulo, onde consta uma foto de frente e outra de perfil, já morto.
A equipe que o matou era chefiada pelo hoje general Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Seu corpo foi jogado na vala clandestina do cemitério de Perus, aberta em 1992. Seu caso está contado no filme Vala Comum.
Gil Braz de Lima: Gil Braz de Lima nasceu em Itajaí em 29 de março de 1947, filho de José Adil de Lima (presidente do Sindicato de Trabalhadores em Marcenaria de Itajaí) e Theodora de Lima.
Estudou engenharia mecânica na Universidade Federal de Santa Catarina. Fez parte da geração 68, aquele ano histórico no Brasil e no mundo.
Por sua participação no movimento estudantil, foi preso em dezembro de 1968, logo após o AI-5, sendo encarcerado em Biguaçu. Como dizia o General Vieira da Rosa: em Florianópolis não havia presos políticos. Todos eram enviados para Biguaçu.
Condenado a um ano de prisão, ficou seis meses no Presídio Hau em Curitiba, e posteriormente foragido.
Casou-se em São Paulo com Maria Bernadete Marques, que adotou seu nome e passou a assinar como Maria Bernadete de Lima. Bernadete foi o firme esteio de Gil durante toda sua vida.
Gil foi novamente preso em São Paulo onde foi torturado, permanecendo seis meses no DOPS em 1970.
Fez faculdade de Economia na FMU em São Paulo, único curso que conseguiu concluir em razão das perseguições. Faleceu em 7 de julho de 2007 em Florianópolis, de câncer de pulmão, deixando a esposa e três filhos
Hamilton Fernando Cunha: Nasceu em 1941, no Saco dos Limões, em Florianópolis.
Conhecido como “escoteiro”, este afro-descendente era operário da indústria gráfica.
Participava do cotidiano cultural e intelectual de São Paulo, atuava em grupos de teatro e, com voz de tenor, cantava em coral.
Como militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) morava na mesma residência de outros dirigentes da organização, entre eles Carlos Lamarca.
Após o AI-5, a repressão atingiu fortemente a VPR.
O escoteiro tinha vida legal, trabalhava na Gráfica Urupês, na Mooca. Preocupado com a possibilidade de ser identificado pela repressão, resolveu se demitir do emprego.
Ao comparecer para assinar a rescisão do contrato foi assassinado por policiais do DOPS/SP em 11 de fevereiro de 1969, na porta da gráfica.
Rômulo Coutinho de Azevedo: Nascido em Florianópolis a 7 de maio de 1949, é filho de Ury Coutinho de Azevedo e Maria Zenir Pires de Azevedo. Seu pai foi preso político no golpe de 1964 e na Operação Barriga Verde, em 1975.
Começou a militância no movimento estudantil secundarista, no Instituto Estadual de Educação. Participou de todos os eventos no memorável ano de 1968, já como militante da Ação Popular.
Em 5 de dezembro de 1968, por ocasião da visita do General Costa e Silva a Florianópolis, a Secretaria de Segurança Pública do Estado sequestrou vários estudantes, mantendo-os presos na cadeia pública de Biguaçu, sem ordem judicial, sem interrogatório formal, nem registro de impressões digitais.
Formou-se médico, em 1973, pela Faculdade de Medicina da UFSC. Presidente da Sociedade Brasileira de Acupuntura, foi pioneiro da prática em Santa Catarina.
Suas maiores paixões foram a medicina, a política e as aulas de história que ministrou no cursinho Barriga Verde e no CEPU, embaixo da Figueira e no Cine Ritz. Faleceu no acidente da Transbrasil em Ratones, Florianópolis.
Sérgio Giovanella: Nasceu a 9 de março de 1952, em Rio do Sul, filho dos professores de escolas públicas estaduais, Eletto Giovanella e Josefina Giovanella.
Em 1968, como estudante da Escola Técnica Federal, atuou no Grêmio Acadêmico e nas lutas do movimento estudantil. Foi defensor da luta contra a ditadura militar quando ingressou no Partido Comunista Brasileiro.
Em 1975 terminou o curso de Odontologia na UFSC e foi trabalhar em Blumenau como dentista, onde a estrutura sindical favorecia espaço de
trabalho sem perseguições políticas. Nesta cidade continuou sua atuação política.
Em 5 de novembro de 1975 foi arrancado de seu consultório dentário no Sindicato da Fiação e Tecelagem na cidade de Blumenau. Encapuzado, sequestrado e preso foi levado para Curitiba, durante a Operação Barriga Verde do DOI, Destacamento de Operações Internas da 5ª Região Militar, acusado de envolvimento em atividades subversivas do Partido Comunista Brasileiro.
Após ser libertado, Sérgio retornou as suas atividades laborais em Blumenau. Continuou na luta para volta do estado democrático ao país, pela anistia ampla, geral e irrestrita e por eleições diretas para presidente da República, em movimentos como a Juventude do PMDB.As sequelas da tortura perduraram até seu falecimento em 28 de março de 1999.
Foto: Ag. Alesc, arquivo, divulgação