Este livro, Pausa e movimento: escritos de Aluizio Blasi, de autoria de Heloisa Ferro Blasi Rodrigues, descortina como as rosas, pétalas de harmonia no que aborda, e beleza com sentimento, no conjunto que desabrocha. É obra de filha que resgata a memória do pai, obcecado em vida com a história que vivenciou e construiu; perfumado gesto, porém, com aquele equilíbrio de quem sabe o que faz e sabe fazê-lo; senso de medida e proporção com justeza no vernáculo, e muita sensibilidade no respeito ao leitor.
A mim me encantam no livro as duas dimensões: no pai, a força da virilitas – uma vida de realizações, de embates e um acervo obstinado de registros, documentos e discursos; e na filha, o encanto feminino da venustas, a mesma força e determinação do pai, com requintes, porém, de formosura humana, o que os romanos personificavam, com certeza, em Vênus, a deusa. Mas na verdade, Heloisa curte no livro o prazer saudoso de conviver além da vida, de estar com ele, o pai, neste livro que erige como tenda de hospitalidade e reverência.
Isso está bem claro desde o Prefácio, em que a autora destaca as palavras de Aluizio Blasi a dizer que é tão somente a condutora do leitor ao trabalho abalizado do pai, e que os registros que faz são como notas de rodapé. Em outras palavras, ela abre trilhas para visita aos 88 anos de convivência do pai com a História e o Direito em Santa Catarina; ela guia o leitor ao longo de salas de história e de recordações daquilo que Aluizio foi in fieri: procurei colocar o contexto do discurso ou palestra, diz a autora, coerentemente com o método.
São oito seções, contando o epílogo: a Faculdade de Direito de Santa Catarina; Universidade Federal de Santa Catarina; Ordem dos Advogados do Brasil; Contestado; Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina; Academia Catarinense de Letras Jurídicas; Epílogo. São oito ambientes, conforme dito, a representar a trajetória de um jovem que veio dos Campos Novos da década de trinta, diretamente do espírito dos fundadores, trazendo um coração telúrico, ou no dizer de García Lorca, con arroyos y pinus, y un ruiseñor de hierro…
Na vetusta Faculdade de Direito de Santa Catarina, Aluizio Blasi foi quase tudo: aluno, servidor, chefe de secretaria, formando (1955), noivo e marido, egresso, professor (curto período) e historiador. Ingressou na década de cinquenta, sede na Esteves Júnior, e permaneceu até e além da anexação à UFSC. Conviveu com a maioria dos fundadores, especialmente Henrique Fontes, Othon Gama d’Eça e Pedro de Moura Ferro, que ministrara a primeira aula da Faculdade, em 2 de maio de 1932, e veio a ser seu sogro em 1956.
A Faculdade foi particular na fundação em 1932, passou para o Estado de Santa Catarina em 1934, desoficializou-se em 1938, federalizou-se em 1956 e foi incorporada à Universidade Federal de Santa Catarina em 1960. Em tudo isso Aluizio, no que não participou diretamente, ouviu, guardou documentos, transcreveu palavras e discursos. Secretário da Faculdade, Aluízio viu seu diretor João Davi Ferreira Lima passar daquela condição à de reitor de Universidade, e ele próprio catapultado à de secretário-geral da novel instituição.
O salão de atos da Faculdade de Direito foi o berço onde depositaram a UFSC nascente; ali recebeu os primeiros cuidados burocráticos e realizou-se a primeira reunião do Conselho Universitário; ali naquela catedral do pensamento jurídico, para usar das palavras do próprio Aluizio, a UFSC começou a engatinhar e dali caminharia para a instalação solene no Teatro Álvaro de Carvalho, em 12 de março de 1962; dali saiu de mudança para a primeira sede, à rua Bocaiúva: no fusca do reitor e na Rural Willys do sogro de Aluízio, Moura Ferro.
É o que dizem os registros e os discursos de Aluizio Blasi, que a autora relaciona e ordena, reportando-se, ademais, à biografia de Moacir Pereira: Aluizio Blasi: a vida pela educação e pela justiça, lançada dois meses após o falecimento em 2018. Ele não escreveu uma obra, sequer teve oportunidade de pronunciar uma conferência voltada ao tema especificamente: fez pronunciamentos esparsos, como na ocasião do aniversário e homenagem a Ferreira Lima. A exceção foi seu depoimento a Moacir Pereira, na biografia.
É mais o acervo, zelosamente guardado por ele, que fala, diz, e não mente; caixas e caixas de documentos, anotações marginais, que Heloisa Blasi aponta, espana e lustra com a memória de testemunha de vista de todo o labor. O livro mostra Aluizio Blasi sendo vários órgãos de hoje da Universidade, em sua fase embrionária: era ao mesmo tempo secretário-geral, procuradoria jurídica, pró-reitoria de administração e arquivo geral. E relações públicas, como registrou Rubem Braga ao testemunhar em crônica o entusiasmo daqueles jovens.
Ter participado e contribuído na obra magnífica da fundação, instalação e consolidação da UFSC, a partir da Faculdade de Direito de Santa Catarina, foi a grande obra da vida de Aluizio, o seu assunto predileto, a sua maior realização. Mas foi a Advocacia que o projetou, especialmente, a sua passagem pela presidência da seccional catarinense no biênio 1977-1978. O majestoso cargo deu-lhe voz nacional numa época em que a Ordem dos Advogados do Brasil fervilhava a redemocratização, sob o comando de Raymundo Faoro, rumo às Diretas Já!
Muda a paisagem do livro, muda o compartimento de memórias; Aluizio fala em Porto Alegre, em Curitiba, em diversas cidades, no Tribunal de Justiça, e mais tarde ministraria a aula inaugural da Fepevi (Itajaí); Heloisa transcreve os discursos, contextualiza os fatos e frisa a maior conquista da gestão: a remuneração da Assistência Judiciária em Santa Catarina. O ponto alto foi em Campos Novos, instalação da Subseção local, em que foi homenageado e mais se emocionou. Hoje, Salas dos Advogados como as de Brusque e Itajaí têm o seu nome.
Em 1980 foi empossado no cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. A passagem foi curta, quatro profícuos anos, que lhe valeram a medalha de Mérito Especial do Judiciário. De todo o período, separou um único acórdão, Ap. Cível n. 13.958, a respeito da irredutibilidade dos vencimentos de magistrados, quarenta páginas a que está grampeada uma carta de Galeno Lacerda que diz: jamais li estudo tão completo sobre o tema. Proferiu diversas conferências, das quais duas merecem destaque em favor das demais.
A participação do advogado na composição dos tribunais foi proferida no TRT12 a convite da Amatra; e Registros públicos em Criciúma, um estudo minucioso, como era do seu feitio, elogiado em carta por um ilustre e dileto ouvinte, o Juiz de Direito e mais tarde desembargador Orli de Ataíde Rodrigues. Discursos foram vários, alguns transcritos por Moacir Pereira como o de posse no Tribunal, a destacar seu estado de espírito e propósito: dignidade e independência, palavras que repisaria mais tarde, ao ser homenageado perante a OAB/SC.
Despediu-se dizendo palavras lapidares: aposentadoria é uma decisão que pode parecer a outrem um gesto precipitado ou injustificado, contudo, é pessoal e deve ser definitiva. Foram mais trinta anos de vida ativa e laboriosa na sequência. Além da advocacia, a atenção de Aluizio volta-se à enigmática Guerra do Contestado, à frequência ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e à fundação e instalação da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, em que ocuparia uma das dez primeiras cadeiras, em 2012-2013.
O interesse pelo Contestado veio do avô materno Henrique Rupp, chefe político de Campos Novos, município desde 1891, e contemporâneo dos fatos, na virada de século. Guardara documentos, que foram enriquecidos pelo pai Paulo Blasi, até chegar, como acervo, a Aluizio; que por sua vez, junto ao IHGSC, canalizou o interesse para os aspectos jurídicos e judiciais do episódio, na questão de limites entre os Estados do Paraná e de Santa Catarina. Filho da região, jurista e pesquisador, Aluizio é referência obrigatória no estudo da temática.
O ingresso no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, com efeito, abriu-lhe oportunidade de proferir diversas conferências e discursos em lugares e ocasiões diversos, a discorrer, por exemplo, sobre: Henrique Rupp Júnior no cinquentenário de falecimento; João Davi Ferreira Lima no centenário de nascimento; a Guerra do Contestado e o Conselheiro Manoel Mafra no centenário de falecimento. O texto desta última vem transcrito neste livro, e constitui-se em inestimável e detalhada contribuição à história de Santa Catarina.
Em 2013 o IHGSC concedeu-lhe sua maior honraria a Medalha Manoel Joaquim de Almeida Coelho, prêmio que se destina ao conjunto da obra dos maiores da época. No discurso de agradecimento Aluizio falou do Contestado, desde o contrato (pecado) original, de 1889, pelo qual o governo imperial, no seu último dia de existência, dispôs sobre as terras devolutas às margens da futura São Paulo-Rio Grande, sem respeito à posse imemorial da população local, que seria escorraçada e martirizada numa guerra fratricida e absolutamente injusta.
Em 2013 também, seria empossado como fundador na Academia Catarinense de Letras Jurídicas – ACALEJ, e teve o privilégio de falar em nome dos confrades acadêmicos, naquele que seria o discurso inaugural dos ocupantes de Cadeiras. Historiou a criação da Academia e no auge da maturidade disse exatamente o que deveria ser dito na ocasião. Em curto período, enquanto a saúde permitiu foi assíduo, posicionou-se com independência, honrando o Patrono da sua Cadeira n. 6, seu ex-professor e sogro Pedro de Moura Ferro.
O Epílogo na verdade é a reprodução do discurso que a autora Heloisa Blasi pronunciou em nome da família em 2018, na noite do lançamento da biografia de Aluizio Blasi, escrita por Moacir Pereira. Na condição de presidente em exercício da ACALEJ estive presente e tive a honra de fazer parte da Mesa solene no auditório da OAB/SC completamente lotado. Fiquei comovido com a precisão do discurso e a forma de pronunciá-lo, com simplicidade e desassombro. Em princípio atribuí o mérito ao DNA materno e paterno e referi na ocasião.
Quando recebi os originais deste livro, para elaborar estas linhas de Apresentação, reajustei a convicção. Heloisa Ferro Blasi Rodrigues é formada em Letras e em Direito, com Mestrado em linguística; e lecionou em ambas as áreas até a aposentadoria e ademais advogou no Escritório de Advocacia da Família. É o afeto pelo pai e o reconhecimento por sua contribuição maiúscula ao Estado de Santa Catarina, ao Direito e à história do Brasil, que a move. Até onde posso, agradeço em nome do Curso de Direito da UFSC e da nossa ACALEJ.
Florianópolis, abril de 2021.
José Isaac Pilati
Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC
Presidente da Academia Catarinense de Letras Jurídicas
Membro da Diretoria do IHGSC