Blog do Prisco
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Morar é preciso

Nilson Goedert

Milhões de brasileiros precisam de moradias, segundo dados do último censo (IBGE). O desafio de oferecer um lar (e dignidade) às pessoas, a maioria delas nas classes C/D/E, se torna um paradoxo quando nos deparamos com imensas áreas disponíveis e uma construção civil competente e disposta a equacionar o problema. O desafio é uma imposição constitucional, vale lembrar: está lá, em nossa carta magna, no artigo 6º, mas também na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No caminho dessa cada vez mais inadiável demanda social encontramos os empresários, dispostos a construir, mesmo mediante o cumprimento de um emaranhado de leis. A recente implantação de um empreendimento imobiliário exigiu-me oito anos de dedicação para obter nada menos que 14 licenças até chegar ao alvará. Façamos as contas: o tempo decorrido, o custo das licenças e do dinheiro parado, considerando-se a atual taxa de juros no Brasil. É desanimador.

Depois de todas as licenças conseguidas, nos deparamos com a concorrência desleal: os loteamentos clandestinos, as invasões em Áreas de Proteção Permanente (APPs), sem a mínima infraestrutura e sobrecarregando os serviços públicos.

Dos empreendedores legais são exigidos percentuais de áreas verdes, áreas institucionais, respeito às APPs, ruas pavimentadas, redes de energia elétrica, rede de água e esgoto, calçadas pavimentadas etc. O que realmente deve ser cumprido – mas, enquanto isso, os clandestinos agem ao arrepio das leis e quase sempre impunes.Mais adiante, as demandas em infraestrutura dos loteamentos clandestinos acabam sendo assumidas pelo poder público, criam-se os REURBs da vida, Lar Legal, entre outros programas. Morar é preciso.

Outro problema sério são os alagamentos: a lei exige que em áreas sujeitas a enchentes é preciso aterrar no mínimo ao nível da cota da última cheia da região – o que é correto. Ocorre que logo uma nova enchente supera cota máxima de até então e o que se faz? Sobe-se a cota e prosseguimos num círculo vicioso: ocupando uma área que pertencia às águas e majorando ainda mais os custos de implantação do empreendimento.

Os brasileiros carentes de moradia estão em outra ponta do paradoxo. Em Santa Catarina, um lote padrão de 300 metros quadrados costuma custar entre 100 a 150 salários-mínimos, inacessível para os trabalhadores com renda de até R$ 4 mil/mês. Mas morar é preciso, e, diante da falta de opções, essa população é empurrada para as construções irregulares nas encostas de rios e morros, sujeitas aos deslizamentos e cheias. Quando não aderem às invasões de terra ou prédios, manipuladas por interesses de grupos políticos.

E para romper com esse impasse? Um começo iluminado seria uma política pública eficaz voltada à população de baixa renda, oferecendo dignidade a milhões de brasileiros e promovendo outros tantos milhares de empregos e oportunidades de trabalho na construção civil. Em paralelo: segurança jurídica aos que empreendem, com um processo de licenciamento ágil e definitivo de parte das instituições públicas, além de linhas de crédito acessíveis à classe média, que hoje engrossam as fileiras dos que sonham por uma casa própria.

Proporcionar lares aos brasileiros, com subsídios públicos, tem um custo muito menor do que dar assistência hospitalar.

Morar é preciso. E é possível. Mas exige mudanças estruturais e urgentes, rompendo com o paradoxo de criar dificuldades para se vender facilidades.