Com apenas uma semana, um dos novos instrumentos processuais previstos na Lei Anticrime já foi adotado pelos Promotores de Justiça de Santa Catarina e começa a produzir os primeiros resultados, reduzindo o prazo entre o delito e a responsabilização do culpado e, até mesmo, tornando mais rápida e eficiente a reparação de danos à vítima ou à sociedade.
Em vigor desde o dia 23/1, a Lei 1.964 prevê a possibilidade de acordo entre o Ministério Público e o investigado, além da vítima (caso obtenha a reparação de eventual prejuízo), nos casos envolvendo a prática de crimes com penas mínimas de até quatro anos, desde que não sejam cometidos com violência ou grave ameaça, e o acusado confesse detalhadamente os fatos e o contexto em que o crime foi cometido.
Trata-se do acordo de não persecução penal, ou seja, um pacto em que o autor se compromete a cumprir as exigências do Ministério Público para compensar o seu crime e atender às sanções propostas pelo Promotor de Justiça, que, em contrapartida, encerra o processo. No caso de descumprimento, o acordo perde a validade e o culpado é denunciado e passa a ser processado judicialmente – ou o processo volta a tramitar, nos casos em que a denúncia já foi oferecida -, ficando sujeito às penas previstas em lei, sem poder contar com a possibilidade de outros tipos de acordo para a substituição da pena.
Nesse instrumento, é o Promotor de Justiça que propõe as medidas compensatórias ao autor do crime, que deve, obrigatoriamente, estar acompanhado de seu advogado. O acordo deve ser submetido à Justiça e só tem validade se for homologado pelo Juiz de Direito responsável pelo caso
“O órgão ‘acusador’ passará a ter uma atuação mais proativa no combate à criminalidade, pois será o Promotor de Justiça que aplicará a `sanção’ ao investigado”, avalia a Promotora de Justiça Deize Mari Oeschler, que propôs seu primeiro acordo de não persecução penal na segunda-feira (27/1), em Blumenau, durante uma audiência de custódia de um homem que havia sido preso em flagrante, no domingo (26/1), ao ser apanhado em uma blitz dirigindo após ter ingerido bebido alcoólica.
Para não ser processado criminalmente – ou seja, a não persecução penal -, o homem confessou o crime e ainda se comprometeu a fazer um curso de reciclagem de condução de veículo e pagar, a título de compensação, o valor de um salário mínimo a uma entidade beneficente da cidade (pois o motorista não provocou danos materiais nem causou algum acidente ou feriu alguém ao dirigir embriagado), entre outras medidas.
Em Itaiópolis, acordo encerrou processo e restituiu carga furtada à vítima
O acordo pode ser feito a qualquer momento antes que o Ministério Público ofereça a denúncia ou mesmo depois de iniciada a ação na Justiça. Foi o que ocorreu na Comarca de Itaiópolis, onde o Promotor de Justiça Pedro Roberto Decomain conseguiu acelerar a solução de um caso de receptação de uma carga de fumo de cinco toneladas, que foi devolvida ao seu verdadeiro dono após o transportador do fumo, que já estava sendo processado pelo crime, aceitar os termos do acordo, que foi homologado pela Justiça durante a audiência.
Na Comarca, já houve quatro acordos, todos celebrados em audiência e homologados.
“Eram processos que já estavam tramitando, mas os acordos foram firmados porque se entendeu que o novo benefício é retroativo, podendo alcançar processos já em andamento, desde que ainda não tenham sentença transitada em julgado”, explica o Promotor, que completa: “houve a admissão da autoria dos fatos pelos denunciados e, com a aceitação da proposta, as denúncias foram retiradas.”
Como condições para os acordos, foram incluídas a perda das armas de fogo e munições irregulares, prestação pecuniária, apresentação mensal em juízo durante um ano, manter atualizados o endereço e informar qualquer ausência da Comarca de residência por mais de oito dias seguidos, esclarece o Promotor.
Em todos os casos, os crimes dos quais os acusados ficaram livres de processos ao aceitarem as medidas compensatórias propostas pelo Ministério Público têm como pena mínima até quatro anos de prisão e não foram cometidos com violência contra pessoa ou grave ameaça, dois dos requisitos para a não persecução penal.
ACORDO NÃO ABRANGE CRIMES VIOLENTOS E EXIGE CONFISSÃO
Crimes cometidos com violência ou grave ameaça não permitem ao acusado o benefício do acordo de não persecução.
Outra exigência para o acordo é que o acusado confesse em detalhes a autoria da conduta e as circunstâncias em que o crime ocorreu. No acordo também são estipulados os meios e prazos para o cumprimento das medidas propostas.
Instrumento é um novo modelo para a solução de conflitos e reparação de danos
Segundo o Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público de Santa Catarina (CCR/MPSC), Promotor de Justiça Jádel Silva Júnior, este novo tipo de acordo, oferece uma alternativa aos longos processo judiciais em casos de crimes de baixo potencial ofensivo e não violentos, sem que o autor fique impune e com uma resposta efetiva à vítima – que tem seus danos reparados – e à sociedade.
“O acordo de não persecução penal, introduzido pela Lei 13.964/19, é um instituto jurídico de direito penal negocial que amplia as oportunidades para espaços de consenso na Justiça criminal, em oposição ao fetiche pela judicialização dos conflitos e na busca quase sem fim por uma decisão final de um magistrado ou tribunal, que muitas vezes pode durar anos. Esse novo modelo aposta em soluções que evitam o ingresso do conflito no processo, promovendo respostas céleres aos crimes cometidos, com resultados efetivos, como é o caso da reparação do dano à vítima, sempre por meio do consenso e desde que o investigado admita previamente e perante o Ministério Público a prática do crime.”