Com a quarentena imposta para reduzir os riscos da pandemia causada pelo Covid-19, a maioria das empresas sofre, desde março, com a queda brutal de seu faturamento e um cenário nebuloso pela frente.
Por conta disso, muitas empresas têm pedido a prorrogação do prazo para pagamento dos juros e amortização do principal de suas dívidas com os bancos. Ressalta-se que algumas haviam dado como garantia de operações de crédito um percentual dos seus recebíveis e, por conta da queda do seu faturamento, também solicitam que esse percentual fosse reduzido.
Infelizmente, os bancos também foram impactados pela crise e aumentaram suas provisões de crédito no 1º trimestre do ano. Tais provisões têm como causa os atrasos já ocorridos e a expectativa de perdas nos próximos meses, piorando os lucros e os retornos para os acionistas dos bancos. Importa mencionar que as instituições financeiras seguem uma norma de provisionamento definida pelo Banco Central do Brasil (BCB).
É a citada norma, dentre muitas, que mantém o sistema financeiro brasileiro com um alto nível de solidez.
As provisões já feitas poderão ser revertidas, aumentar ou se tornar prejuízo ao longo do tempo.
De acordo com critérios definidos pelo BCB, cada cliente deve ter um Nível de Risco (Rating), e a cada nível é atribuído um percentual de provisão. Os níveis variam de AA (menor risco) até H (maior risco).
Como exemplo, suponha-se que um cliente tenha um Nível de Risco equivalente ao nível C, o qual requer 3% de provisão. Neste caso, para cada R$ 100,00 emprestados, a instituição financeira deverá provisionar R$ 3,00. Na prática, ela está tirando contabilmente R$ 3,00 do seu resultado por conta de uma Resolução do BCB.
Ainda, presumindo-se que o rating daquele cliente piore e mude para D, a instituição financeira provisionará 10%, mesmo que o cliente esteja adimplente com o banco.
Cada instituição tem as próprias normas de definição de ratings, mas todas são baseadas nas determinações do BCB.
As formas de mitigar esse problema no resultado do banco são o aumento dos “spreads”, a redução da exposição de risco (redução das linhas de crédito), aumento de garantias em eventuais renovações de operações e pouca flexibilidade na redução das garantias.
As empresas devem entender e falar essa “linguagem do mercado financeiro” para obterem melhores negociações, principalmente neste momento. Também devem entender que a culpa não é do gerente da conta e que o seu Nível de Risco nos bancos provavelmente já foi rebaixado.
Portanto, fazer uma solicitação de negociação usando apenas o argumento de que estamos no meio de uma crise causada por uma variável exógena, a quarentena, pouco ajudará na negociação.
As empresas devem construir em conjunto com as pessoas que gerenciam a sua conta uma defesa bem elaborada e que faça sentido para elas e para o banco, sabendo das restrições impostas aos bancos pelo órgão regulatório.
A situação atual nos remete a metade da década anterior, na qual, por conta dos efeitos da Grande Recessão nos EUA (2008/2010), os bancos brasileiros também aumentaram suas provisões e foram muito rigorosos na avaliação de crédito. Por outro lado, as empresas não souberam expor suas demandas, seus problemas, suas soluções, bem como não sabiam falar a “linguagem do mercado financeiro”.
Como resultado, muitas operações de crédito foram mal negociadas, sendo um dos motivos do aumento nos pedidos de recuperação judicial, os quais poderiam ter sido evitados caso as empresas entendessem as restrições dos bancos e vice-versa.
Considerando que a situação da economia deve piorar nos próximos meses, acreditamos que ainda há tempo para que bancos e empresas falem a mesma linguagem e não repitam os erros do passado no quesito negociação de empréstimos e financiamentos.