O direito à autodeterminação: quando os Estados cansam de fingir que são ouvidos
13 de abril de 2025
Por Alexander Santana, Advogado
Há muito tempo se repete no Brasil o mantra da “harmonia entre os poderes” e da “unidade da Federação”. Mas talvez esteja na hora de perguntar: que harmonia é essa onde um manda, o outro obedece e o povo assiste calado? E que unidade federativa é essa onde os estados fingem governar, mas dependem de Brasília até para respirar?
Aos poucos, a realidade se impõe: o Brasil é uma república federativa no papel – e um império togado na prática. Nesse contexto, o direito à autodeterminação dos povos reaparece como aquele velho conhecido que a gente ouve falar nas aulas de história, mas que talvez esteja mais atual do que nunca.
Não é preciso muito esforço para perceber que o Supremo Tribunal Federal resolveu experimentar uma nova vocação: a de poder moderador, legislador e, por vezes, executivo. Decisões monocráticas suspenderam leis, censuraram reportagens, fecharam empresas de mídia e mandaram prender adversários políticos – tudo em nome de uma democracia que, curiosamente, ninguém mais pode criticar.
A cereja do bolo veio com o anúncio recente de que o STF não reconhece mais o poder do Congresso Nacional de conceder anistia a certos crimes. Sim, você leu certo. O Congresso vota, aprova uma lei, e o STF antecipadamente declara que ela simplesmente “não vale”. Não se trata de julgar sua constitucionalidade – o Supremo apenas desautoriza antecipadamente a vontade dos representantes eleitos pelo povo.
Ah, e quanto ao inquérito das fake news? Aquele nascido em ambiente sigiloso, sem provocação do Ministério Público, com alvos escolhidos a dedo? Tudo começou porque uma revista denunciou Toffoli – e, num passe de mágica, o STF decidiu que o problema não era a denúncia, mas quem a publicou.
Alexandre de Moraes, por sua vez, se tornou uma espécie de paladino do processo judicial criativo: mandados sem juízo natural, prisões sem acusação formal, bloqueios de redes sociais por “ameaça à democracia” – uma democracia que, aparentemente, depende de silêncio absoluto para sobreviver.
Gilmar Mendes também não ficou atrás. Conforme reportagem da revista Piauí, seu instituto, o IDP, firmou um contrato com a CBF. Poucos meses depois, uma liminar sua recoloca no cargo o presidente da entidade esportiva. Coincidência? Talvez. Mas como diriam os próprios ministros: “as aparências também importam”.
Diante desse cenário, surge uma pergunta legítima: por que os estados brasileiros, com economias, culturas e identidades distintas, precisam continuar aceitando a tutela de um poder central cada vez mais autorreferente?
O direito à autodeterminação não é um capricho separatista, mas, como explica Antonio Cassese em “Self-Determination of Peoples: A Legal Reappraisal”, é um princípio e um “standard” reconhecido no direito internacional. Ele garante que um povo possa decidir como quer se organizar politicamente – inclusive se deseja manter-se atrelado a uma federação que não mais o representa.
O direito à autodeterminação é previsto no parágrafo 1º do artigo 1° do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: “ 1. Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito,
determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu
desenvolvimento econômico, social e cultural.”
Santa Catarina é um exemplo claro de povo com identidade própria: forte base industrial, cultura plural, alto nível educacional e profundo senso de pertencimento local. Nada mais justo que se discuta se esse povo deve continuar submetido a decisões tomadas a milhares de quilômetros por ministros que não conhecem suas demandas – e, sejamos francos, não parecem muito interessados nelas.
Não estamos falando de independência ou ruptura. A autodeterminação pode tomar várias formas: autonomia ampliada, federalismo real, ou até mesmo uma nova união entre estados soberanos – como já vimos acontecer na Europa.
A autodeterminação não é um gesto de separação, mas de responsabilidade: ela nasce quando o povo decide que já não pode terceirizar seu destino a uma corte de 11 ministros vitalícios e intocáveis.
Enquanto isso, a Corte segue legislando, governando e censurando – tudo isso enquanto nos pede paciência, respeito institucional e, acima de tudo, silêncio.
Pois talvez seja hora de quebrar o silêncio. E lembrar que os estados da federação – todos eles – não são colônias. São povos. E povos têm o direito de escolher.