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“O País não sairá da crise senão pelo estrito cumprimento da lei, sem casuísmos ou factoides,” diz Lamachia

O blog resgata o discurso do presidente da seção federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia, proferido na quinta-feira passada, quando da abertura do ano Judiciário no país. Passou meio despercebido, por má vontade ou pela abundância de notícias políticas neste início de 2018. Vale a pena conferir:

O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, defendeu a independência do Judiciário e o papel da Justiça na paz social e na busca por soluções frente à crise que o Brasil atravessa. O discurso, proferido na sessão de abertura do ano Judiciário, na sede do Supremo Tribunal Federal, foi marcado pela necessidade de respeito às instituições e às leis, assim como a o respeito às prerrogativas da advocacia.

CUSTO POLÍTICO

“O processo evolutivo das nações impõe frequentemente um custo político alto. Crises, desarranjos institucionais, perplexidades, dilemas morais e existenciais. São ciclos dolorosos, mas que, apesar de todos os pesares, tornam as nações mais maduras, mais conscientes, mais fortalecidas. Numa palavra, mais justas”, explicou Lamachia. “O Brasil, já há alguns anos, vive um desses ciclos vitais, transformadores, que há de marcá-lo pelas próximas gerações. E a Justiça tem sido – e será sempre – a chave de todo esse processo.”

INDEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO

“A independência do Judiciário é o pilar do Estado democrático de Direito, marco civilizatório sem o qual há de predominar a barbárie das tiranias e dos extremismos. Em meio a crises como a atual, esse fundamento é posto à prova, desafiado constantemente, seja pela retórica irresponsável de grupos políticos, seja pelo desespero dos que não têm o hábito de prestar contas de seus atos à sociedade”, alertou Lamachia. “A lei é o farol da crise, não importa sua natureza, conteúdo ou dimensão. Fora dela, já dizia Ruy Barbosa, não há salvação. E, diante dela, diz o artigo 5º da Constituição, todos são iguais.”

O presidente da OAB também criticou os que questionam a independência do Judiciário, inclusive por meio de pressões políticas contra magistrados. “O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, tem sido questionado fortemente por forças políticas antagônicas. Mas ele não é, nem pode ser, a crise. Ao contrário, é – precisa ser – o seu antídoto”, afirmou.

ADVERTÊNCIA AOS LINCHADORES

 “A advocacia brasileira, como parte do universo dos operadores do Direito sabe e tem consciência das suas responsabilidades. Como tal, precisa também ter sua incolumidade observada, assim como as demais carreiras jurídicas. Não se questiona o direito constitucional à crítica, mas ele não pode derivar para agressões e linchamentos físicos e morais, como eventualmente tem ocorrido”, completou Lamachia.

“A Ciência do Direito estabelece o devido processo legal, com ampla defesa e direito ao contraditório. Não importa a gravidade do delito, todos têm direito à defesa – e o defensor não pode ser confundido com seu cliente, nem ter a privacidade desse relacionamento, garantido por lei, violada a qualquer pretexto”, defendeu. “As prerrogativas da advocacia, nunca é demais repetir, são prerrogativas da sociedade, na medida em que ela é a beneficiária do sagrado direito à defesa. Não há justiça sumária. Fora de seus ritos, o que há é justiçamento, que é o avesso da Justiça.”

HARMONIA ENTRE OS PODERES

Ao fim de seu discurso, o presidente da OAB apregoou o papel dos operadores do direito na resolução da tormenta social do país, sem pressões ou interferências, respeitando a harmonia entre os poderes. “Não podemos nos envolver na turbulência política – e nem ignorá-la. E muito menos com ela nos intimidar. Justiça é Justiça; política é política. Cada qual no seu espaço, cada qual na sua função. Em tempos de crise, há o risco de as instituições perderem de vista suas atribuições – quer por omissão, quer por excessos”, afirmou. 

CONSTITUIÇÃO 30 ANOS

Ao dizer que o país não está à deriva, como muitos dizem, Lamachia disse que as águas turbulentas que atravessa contam com a bússola da Constituição Federal, que completa 30 anos em 2018. “É com base na rota que nos indica – e só por aí – que chegaremos a águas mais tranquilas”, disse. “Que, ao longo do Ano Judiciário que se instala, tenhamos sempre presente essa lição, cientes de que apenas o respeito absoluto dos preceitos constitucionais levará ao Brasil que os brasileiros merecem.”

Na abertura da sessão, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, defendeu a Constituição e o respeito às leis e às decisões judiciais. “A lei é a divisória entre a moral pública e a barbárie”, afirmou. Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o respeito às decisões diminui a sensação de impunidade. A cerimônia foi acompanhada pelo presidente da República, Michel Temer; os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Eunício Oliveira e Rodrigo Maia; os presidentes de Tribunais Superiores e ministros dessas cortes, além de diversas outras autoridades.

Leia o discurso do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia

Senhoras e senhores

O processo evolutivo das nações impõe frequentemente um custo político alto. Crises, desarranjos institucionais, perplexidades, dilemas morais e existenciais. São ciclos dolorosos, mas que, apesar de todos os pesares, tornam as nações mais maduras, mais conscientes, mais fortalecidas. Numa palavra, mais justas.

O Brasil, já há alguns anos, vive um desses ciclos vitais, transformadores, que há de marcá-lo pelas próximas gerações. E a Justiça tem sido – e será sempre – a chave de todo esse processo.

A sociedade, à medida que mais se informa, mais exigente se torna e com mais veemência passa a cobrar ética, coerência e eficiência de suas instituições e dos homens públicos. É natural – e inevitável – que assim o seja, mas o que disso resulta é o ciclo a que me referi, de turbulências e espantos.

Em tempos assim, o Judiciário tem o dever de fazer valer o sistema de pesos e contrapesos e resguardar a Constituição e a correta aplicação das leis, de forma isonômica para todos os cidadãos e cidadãs.

A independência do Judiciário é o pilar do Estado democrático de Direito, marco civilizatório sem o qual há de predominar a barbárie das tiranias e dos extremismos. Em meio a crises, como a atual, esse fundamento é posto à prova, desafiado constantemente, seja pela retórica irresponsável de grupos políticos, seja pelo desespero dos que não têm o hábito de prestar contas de seus atos à sociedade.

A lei é o farol da crise, não importa sua natureza, conteúdo ou dimensão. Fora dela, já dizia Ruy Barbosa, não há salvação. E, diante dela, diz o artigo 5º da Constituição, todos são iguais, “sem distinção de qualquer natureza”. Ninguém pode a ela se sobrepor. Ninguém.

Nesses termos, é o Judiciário o alvo central dos que resistem ao saneamento das instituições. E isso ocorre porque o Judiciário é um Poder que tem limite – e esse limite é a lei. Mas, ao invés de enfraquecê-lo, é a substância que lhe dá autoridade e força moral.

O País não sairá da crise senão pelo estrito cumprimento da lei, sem casuísmos ou factoides. Sem privilégios de qualquer ordem.

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, tem sido questionado fortemente por forças políticas antagônicas. Mas ele não é, nem pode ser, a crise. Ao contrário, é – precisa ser – o seu antídoto. Não há outro. Como intérprete da lei, tem a missão intransferível de pô-la a serviço do reequilíbrio da nação, da moderação de seus atores políticos.

A advocacia brasileira, como parte do universo dos operadores do Direito sabe e tem consciência das suas responsabilidades. Como tal, precisa também ter sua incolumidade observada, assim como as demais carreiras jurídicas. Não se questiona o direito constitucional à crítica, mas ele não pode derivar para agressões e linchamentos físicos e morais, como eventualmente tem ocorrido.

Igualmente, assistimos a tentativas inaceitáveis de constranger e influenciar magistrados por meio de pressão política, em flagrante desrespeito à independência do Judiciário.

O Direito é uma ciência, fruto da acumulação de vivências e experiências milenares da civilização. Por isso mesmo, Freud já advertia para a ilusão de se pretender encontrar fora da ciência solução para os dramas humanos, na medida em que eles estão ali capitulados, vivenciados e, nos seus limites, solucionados.

E a Ciência do Direito estabelece o devido processo legal, com ampla defesa e direito ao contraditório. Não importa a gravidade do delito, todos têm direito à defesa – e o defensor não pode ser confundido com seu cliente, nem ter a privacidade desse relacionamento, garantido por lei, violada a qualquer pretexto.

As prerrogativas da advocacia, nunca é demais repetir, são prerrogativas da sociedade, na medida em que ela é a beneficiária do sagrado direito à defesa. Não há justiça sumária. Fora de seus ritos, o que há é justiçamento, que é o avesso da Justiça.

O clamor das ruas não nos pode ser indiferente – e não é -, mas não é, não pode ser, o fundamento de nossa ação. Precisa ser avaliado, na medida em que pode ser fruto de manipulação, por meios diversos, como o ativismo político e midiático. Mais uma vez, a lei, sempre ela, há de ser o farol.

Neste início de ano judiciário, em que as tensões políticas prosseguem exacerbadas, é indispensável que nós, operadores do Direito, não percamos de vista os fundamentos de nossa missão comum. Não podemos nos envolver na turbulência política – e nem ignorá-la. E muito menos com ela nos intimidar. Justiça é Justiça; política é política. Cada qual no seu espaço, cada qual na sua função.

Em tempos de crise, há o risco de as instituições perderem de vista suas atribuições – quer por omissão, quer por excessos. A harmonia entre os Poderes, estabelecida no artigo 2º da Constituição, não autoriza antagonismos ou invasões de competência.

Impõe, isto sim, o diálogo permanente. Mais que a busca de consensos, há de prevalecer o império do bom senso. O país não está à deriva, como muitos apregoam. Navega, sim, em águas turbulentas, mas dispõe de sua bússola, a Constituição, da qual esta Suprema Corte é guardiã e intérprete.

É com base na rota que nos indica – e só por aí – que chegaremos a águas mais tranquilas.

Encerro este pronunciamento relembrando algumas das palavras proferidas por Ulysses Guimarães há trinta anos, mas que continuam extremamente válidas nos dias atuais:

“A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”.

Que, ao longo do Ano Judiciário que se instala, tenhamos sempre presente essa lição, cientes de que apenas o respeito absoluto dos preceitos constitucionais levará ao Brasil que os brasileiros merecem.

Muito obrigado.

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