Na segunda-feira, um adolescente de 13 anos esfaqueou quatro professoras e um aluno dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, na zona oeste da capital paulista, segundo o governo de São Paulo. Uma professora de 71 anos morreu em decorrência do ataque. O governo paulista decretou luto de três dias pela morte da docente.
O estudante responsável pelos ataques está no Centro de Integração Inicial da Fundação Casa. O corpo de Elisabete Tenreiro foi sepultado em cerimônia restrita aos familiares no Cemitério do Araçá, na Zona Oeste da capital.
Por óbvio, o caso segue repercutindo. O Blog abre espaço para o tema com esta entrevista, muito esclarecedora, aliás, com o consultor educacional Leandro Klein. Ele tem mais de 30 anos de experiência na área educacional.
Klein estará em Blumenau nesta sexta-feira, 31, para uma apresentação técnica do Programa Compasso à equipe pedagógica da prefeitura.
O Programa Compasso foi desenvolvido justamente para oferecer aos professores um modelo estruturado de ensino objetivando que os alunos aprendam também a conviver com suas emoções. E não fiquem apenas submetidos aos conteúdos programáticos tradicionais no ambiente escolar.
Em Santa Catarina já se iniciou um despertar, ainda tímido, para a necessidade de se implantar um modelo de ensino focado na questão socioemocional. O Programa Compasso, por exemplo, está sendo implementado em Florianópolis, Videira, São Francisco do Sul e já funciona a plenos pulmões em Monte Carlo. Confira a entrevista:
Blog do Prisco – A que causas você atribui o ocorrido em São Paulo?
Klein – Vejo que não há uma causa isolada e sim um conjunto de ações e reações que uma criança vive em seu cotidiano, na escola. No caso do menino envolvido, ele sofria bullying constantemente e reagia com agressividade, o que se ampliou até ocorrer uma explosão.
Quando a escola opta por rever estas situações e trabalhar metodológica e cientificamente a temática socioemocional dentro de sala de aula, ela muda. Porém, esta mudança não é mágica e, sim, processual. Entretanto, o que se vê – e a que atribuo o ocorrido – é a negação do ensino da educação socioemocional nas escolas.
Muitas escolas permanecem pautadas por uma dimensão conteudista que exclui de sua pauta a temática do desenvolvimento das humanidades, ainda que hoje seja cientificamente comprovado que o que mais afeta o desenvolvimento da criança é a sua condição socioemocional; somente depois vem a dimensão do conteúdo. Tanto é que, nas relações empresariais, por exemplo, 93% das pessoas são demitidas por questões socioemocionais.
Ou aprendemos a lidar com estes processos, ensinando as crianças a lidarem com os mesmos, ou teremos estas consequências drásticas, de uma manifestação emocional muito forte que não reconhecida por grande parte das escolas. Como exemplos, temos o caso que ocorreu no Espírito Santo no ano passado e a situação de ansiedade de 16 alunos em uma escola no Recife, sem deixar de mencionar o alarmante número de estudantes que se automutilam.
Hoje, menos de 8% das instituições trabalham a temática socioemocional de forma metodológica, científica e processual.
Blog – Como você acredita que é possível evitar este tipo de tragédia no ambiente escolar?
Klein – Entendendo que a tragédia é consequência do não acolhimento e tratamento das emoções de cada indivíduo, que é único e precisa ser acolhido em seus processos. Temos que entender que, assim como o trabalho da alfabetização e do letramento matemático são processuais, assim também é o letramento emocional. Ou seja, a criança deve aprender, desde cedo, a lidar com suas emoções e com o acolhimento da singularidade de cada indivíduo.
Blog – Você acredita que a contratação de psicólogos para atuarem nas escolas é suficiente para prevenir esta ameaça?
Klein – Acredito que a contratação de psicólogos para atuarem em escolas é muito importante, porém não é suficiente. Trabalhar as emoções de forma sistematizada, dentro de sala de aula, dentro do currículo, é o que realmente causa um impacto progressivo no desenvolvimento socioemocional das nossas crianças.
Blog – Como a educação socioemocional pode transformar uma escola?
Klein – Vejo que a proposta socioemocional dentro da escola promove uma comunidade formada na dimensão socioemocional, ou seja, promovo um ambiente no qual as crianças aprendem a desenvolver e potencializar suas habilidades e competências; aprendem a reconhecer quem elas são e aprendem a resolver seus problemas e a reconhecer quem é o outro, respeitando a singularidade de cada indivíduo, entendendo que as emoções fazem parte da individualidade humana e que a questão não é ter emoções – é o que fazemos com elas.
Trazer a questão socioemocional para a sala de aula é lidar com essa temática até termos condição de resolvermos questões do dia a dia que estejam relacionadas à questão socioemocional. Direta ou indiretamente, os professores também são envolvidos no processo, assim como as famílias dos estudantes. Em suma, trabalhar o socioemocional dentro das escolas é trabalhá-lo de forma científica e metodológica com todos os indivíduos do processo educacional, toda a comunidade: alunos, professores e famílias.
Blog – Que evidências científicas reforçam a validade e importância do ensino socioemocional em escolas?
Klein – A inteligência emocional, que consiste na capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e aqueles de outras pessoas, é uma competência valiosa. Ela nos permite gerenciar nossas emoções, desenvolver relacionamentos sadios e empáticos e nos habilita a solucionar conflitos nas mais diversas situações, nos capacitando para a vida.
O desenvolvimento socioemocional dos estudantes os habilita a lidar com emoções difíceis, reduzindo comportamentos agressivos, melhorando as relações entre os colegas e até mesmo seu comportamento em âmbito familiar, o que cria um ambiente de aprendizagem mais seguro e afetivo, promovendo o respeito mútuo e o desenvolvimento das potencialidades individuais e coletivas dos(as) estudantes.
O Soul Socioemocional, por exemplo, é a adaptação brasileira do Second Step, renomado programa socioemocional criado pelo Committee For Children, ONG americana com mais de 40 anos de história cuja metodologia internacional, 100% fundamentada em estudos científicos teóricos e resultados práticos, apresenta uma proposta dinâmica e divertida que já atendeu a mais de 20 milhões de estudantes em mais de 70 nações, incluindo países que são referência mundial em Educação.
Blog – Como você enxerga o surgimento de programas de educação socioemocional para escolas brasileiras?
Klein – Enxergo esse movimento de forma positiva. Entretanto, percebo que grande parte dos grupos trabalha a temática socioemocional de forma subjetiva, sem trazer a dimensão metodológico-científica, com a segurança histórica, metodológica e a profundidade necessárias.
A BNCC, ao introduzir a temática socioemocional em 2017, levou muitos grupos educacionais a se conectam de forma subjetiva e até muito simplista à questão em seus programas, livros e materiais, sem encarar a temática com a seriedade que esta exige. É preciso que estes programas sejam pautados por uma cientificidade metodológica, entendendo que a temática socioemocional não se resume a um material didático para o aluno mas a uma proposta político-pedagógica de desenvolvimento das competências socioemocionais da comunidade educativa, focado nas questões dos professores, famílias e estudantes.