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Previdência não sobrevive de promessas

Já foi dito com muita propriedade que as reformas têm dificuldade de avançar no Brasil porque a população é vítima de promessas de que não precisará abrir mão de direitos que na realidade não tem, e de futuros direitos que na realidade não terá. São promessas irresponsáveis de ditos defensores de maiorias ou de minorias, que não têm como viabilizar as promessas que fazem e as despesas que criam.

O colapso do sistema previdenciário é exemplo claro. É excessivamente generoso e assegura privilégios que não consegue mais entregar. A conta vai para aumento de carga tributária, de dívida pública, de déficit público e, no fim, de desemprego. Estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda aponta, entre as distorções, a elevada taxa de reposição — relação entre o salário e a aposentadoria — que no Brasil é de 76% contra 56%, em média, nos países europeus, agravado aqui pela incidência das aposentadorias integrais dos servidores públicos. Também evidencia a baixa idade média de aposentadoria no país, de 59 anos, contra uma média de 64 anos nos países da OCDE, de 68 anos em Portugal, 69 no Chile, 71 na Coreia do Sul e 72 no México, por exemplo. A distorção no Brasil vem em grande parte das aposentadorias por tempo de contribuição e da equivocada proliferação de regimes especiais. Com o aumento da longevidade da população, que de uma expectativa de vida de 58,4 anos há 35 anos, vive hoje em média 75,5 anos, tivemos uma pressão crescente sobre as contas da Previdência.

De outro lado, temos um avanço dramático do déficit da Previdência Rural, de R$ 16,7 bilhões em 2002 para R$ 103,4 bilhões em 2016. Enquanto isso, na Urbana, o déficit no período evoluiu de R$ 2,3 bilhões para R$ 46,3 bilhões. Considerando a seguridade social como um todo, o déficit passou de R$ 27,2 bilhões em 2003 para R$ 258,7 bilhões em 2016.

O economista Raul Velloso afirma que, se quisermos um resultado num prazo mais curto, precisamos alterar as aposentadorias diferenciadas dos funcionários públicos. Os que ingressaram no serviço público antes de 2013, quando foi criada a FUNPRESP — uma previdência complementar para os servidores —, aposentam-se com salário integral e mantêm os seus vencimentos equiparados aos dos servidores da ativa. O projeto de reforma estabeleceu que, para manter estes privilégios integralmente, a idade de aposentadoria teria que respeitar os mesmos limites de idade definidos para os brasileiros comuns (65 anos para homens e 62 para mulheres).

O Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), que atende os funcionários da União, acumula já um déficit atuarial de quase R$ 2 trilhões. Em 2016, teve estes gastos mensais médios com aposentadorias: servidores civis do Executivo, com R$ 7,6 mil; militares, R$ 9,7 mil; do Judiciário, R$ 22,2 mil; e do Legislativo, R$ 28,6 mil. Contra R$ 1,3 mil do setor privado. Em 2015, o RPPS, que atende cerca de 1 milhão de inativos, gerou déficit de R$ 78 bilhões, portanto, em torno de R$ 80 mil por assistido, enquanto no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que atende as aposentadorias da iniciativa privada, o déficit per capita foi de pouco mais de R$ 3 mil. A distorção é gritante. Pedro Nery, consultor legislativo do Senado, menciona estudo do IPEA que mostra a previdência dos servidores como responsável por 7% da desigualdade de renda do país, o que segundo o professor José Márcio Camargo, representa o maior programa de transferência de renda do país.

Ainda no setor público, o problema é igualmente grave nos Estados, cuja previdência em 2016 apresentou déficit de R$ 102,4 bilhões, exigindo aporte médio de 12,7% da Receita Corrente Líquida (RCL) para cobrir gastos com inativos e pensionistas. Estados como Minas Gerais, que destinou 27,8% da RCL, e o Rio Grande do Sul, com 40,5%, estão beirando à insolvência. A sustentabilidade fiscal dos Estados passa pelo equacionamento desse problema.

A reforma da previdência urbana do setor privado, mesmo sendo imprescindível, está longe de ser suficiente. O alarmante desequilíbrio da seguridade social rural e dos servidores deve vir para o centro das atenções na discussão que o país deve retomar no Congresso Nacional e fora dele. Devemos caminhar para equiparar todos os regimes, num misto de sistema de capitalização e assistência pública aos mais pobres. Privilégios devem ser reavaliados porque a conta não fecha. A busca do equilíbrio não pode aguardar o desfile de promessas e propostas inconsistentes. A falta de senso de urgência custa muito caro ao país.

 

 

Carlos Rodolfo Schneider, empresário e coordenador do Movimento Brasil Eficiente (MBE); crs@brasileficiente.org.br

 

 

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