Programa de integridade e controle em rede: estratégias de prevenção e combate à corrupção devem ser ‘políticas de estado’ permanentes nos municípios (*)
Integridade, como ‘princípio’ de comportamento, é a qualidade de seríntegro, ético, honesto e transparente na conduta pública. Como ‘política pública’, um programa integridade contribui para que o interesse coletivo seja sempre prioridade nos gastos municipais.
Em tempos de eleições locais, os princípios da Constituição Federal de 1988 que compõem a chamada Matriz LIMPE (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência) podem ser traduzidos para um conceito mais atual: integridade pública.
Enquanto ‘política pública’, um programa de integridade visa garantir a priorização do interesse público, ou seja, que o interesse coletivo jamais fique atrás de interesses parciais. Estes, ainda que legítimos, não podem se sobrepor à necessidade mais ampla, da sociedade como um todo. Em cidades como Florianópolis, por exemplo, onde a população cresce acima da média, esse ‘conflito de interesses’ se materializa na forma de problemas históricos, como de um lado os sindicatos, que sempre buscam o interesse maior de um grupo de trabalhadores, ou de outro osempresários, que também se associam para priorizar seus interesses em questões ambientais e territoriais.
Não importam os muitos lados, faz diferença, primeiro, o nível ético com que os interesses são legitimamente defendidos; depois, o quanto osinteresses são abertamente parciais e complementam ou confrontam interesses coletivos mais abrangentes na cidade, incluindo de populações menos favorecidas, que nem têm sindicato, nem têm empresa, porque muitas vezes vivem na informalidade. Ou seja, assim como no conceito aristotélico de política, a boa gestão pública nada mais é do que a arte de equalizar e acomodar interesses, com transparência e conforme as normas, para que as políticas alcancem a todos, na proporção necessária. É a essência dos princípios da impessoalidade e da moralidade: todo gasto ou serviço dever ser impessoal e moral, preceitos garantidos quando o interesse público está em primeiro lugar.
Buscar integridade também significa garantir a conformidade (compliance), isto é, que os atos e fatos de gestão estejam “nos conformes” com normas legais e técnicas, atendendo-se assim ao princípio da legalidade. Aliás, a criação de um programa e um plano municipal de integridade e compliance são medidas que já deveriam ter sido implementadas há mais de uma década pelas prefeituras, principalmente capitais como Floripa, pois têm como base antigosacordos internacionais firmados pelo Brasil, como da Organização dos Estados Interamericanos (1996), da OCDE (1997), e da ONU (2003).Esses acordos já foram aprovados pelo parlamento brasileiro há muitos anos, mas não vinham sendo cumpridos nas cidades; é dizer, não havia compliance municipal com as próprias normas de compliance nacionais.
Em nível municipal, a criação das Controladorias-Gerais têm viabilizado a implementação das melhores práticas nacionais e internacionais em muitos governos locais, a exemplo da Matriz de Integridade Públicaproposta pela Controladoria-Geral da União (CGU). A partir de um estudo analítico sobre os principais riscos de integridade, um primeiroplano municipal de integridade e compliance pode conter de 30 a 50 medidas já para os primeiros dois anos, contribuindo para a institucionalização da controladoria como agência de integridade no setor público local.
Entre as principais medidas está a criação de uma carreira ou cargo de Auditor de Controle Interno, conforme o porte da cidade – outra demanda da sociedade civil organizada, (observatórios sociais) e dos órgãos de controle (ministérios públicos estaduais), e que também já tem mais uma década. Por sua vez, a regulamentação do Sistema Municipal de Ouvidoria, assim como da proteção ao denunciante e ao denunciado, profissionaliza o tratamento de denúncias e as apurações internas, adicionando a necessária preservação de dados pessoais.
Profissionalizar as apurações em sigilo é um dos pilares de qualquer programa de integridade e compliance, mas o setor público deve ir mais além. Desde 2010, o Brasil tem criado dezenas de redes de controle, fóruns em que se reúnem diferentes órgãos de várias instâncias de controle, seja interno, externo, judicial, policial, social etc. as redes funcionam: nunca se viu tanto escândalo investigado porque nunca se investigou tanto, o que impacta na piora da percepção da corrupção. A controladoria precisa firmar parecerias e acordos de cooperação técnica com órgãos de polícia, ministérios públicos, tribunais de contas, as controladorias da união, do estado e de outros municípios, para que seu trabalho seja efetivo. Medidas complementares já disponíveis sem custo nenhum podem ser coordenadas por um núcleo de inteligência, como o monitoramento automatizado da evolução patrimonial dos servidores e o cruzamento preventivo de dados nas licitações, com robôs e inteligência artificial.
A transparência é outro eixo central de uma política de integridade, representada no princípio constitucional da publicidade, mas que ampliou esse conceito, esgarçou-o em menos de quatro décadas até o que hoje se denomina Governo Aberto, muito mais amplo, universal e irrestrito. O agente público precisa ser transparente, não “apenas” porque tem o dever constitucional de prestar contas e responder por seus atos (accountability), mas sim porque não há melhor forma de comprovar que o interesse público foi perseguido com prioridade.
Por fim, um plano municipal de integridade e compliance consiste num documento aprovado pela alta administração, contendo um conjunto organizado de medidas a serem efetivadas num período, para prevenir, detectar e corrigir as “ocorrências de quebra de integridade”, por meio da mitigação dos “riscos de integridade. Dentre os principais riscos estão a fraude, corrupção, conluio, conflito de interesses e nepotismo. Mas também há sempre riscos de desperdícios e prejuízos, assim o plano de integridade contribui também para a melhoria da eficiência e economicidade da gestão, outro elemento da Matriz Limpe. A partir da avaliação desses riscos, é possível implementar um adequado sistema de controles internos, para prevenir, detectar, apurar e corrigir/punirquaisquer falhas, sejam normativas ou de desempenho.
A integridade deve ser, assim, uma política local de estado, e como tal, deve ser permanente e precisa mostrar-se transparente e eficiente à sociedade. O modelo de controladoria pública aprimorado no país há 25 anos tem mostrado grande potencial de mudança nas prefeituras municipais. Uma mudança esperada desde 1988 para que verdadeiramente se limpe a gestão local, e que, na ilha da magia,finalmente parece ter atravessado a ponte.
(*) Rodrigo De Bona
Doutor em Economia e Governo, Mestre em Administração, professor e pesquisador, é Presidente do Conselho de Auditores e Controladores Internos Municipais de Santa Catarina (CONACISC), atual Controlador-Geral do Município de Florianópolis e Auditor Federal da Controladoria-Geral da União há 28 anos.