A Lei 12.871 de 2013, conhecida como “Lei do Programa Mais Médicos”, ingenuamente associada apenas à figura dos intercambistas cubanos, traz determinantes muito mais graves em seu texto e, se executada ao pé da letra, trará um prejuízo incalculável à saúde dos brasileiros.
De tão incompatível com a própria soberania nacional, a vinda de médicos sem revalidação de diploma e o desvio de dinheiro dos nossos impostos para a ditadura cubana acabou encobrindo malefícios ainda maiores. Essa lei eleitoreira, pensada para os palanques e construída a toque de caixa para responder aos movimentos populares de 2013, que apelavam por saúde, preenche os requisitos do discurso mais populista. Solução simplista, para ser facilmente assimilável na visão popular, trará profundas mudanças na medicina que conhecemos hoje.
O XVIII Fórum das Entidades Médicas de SC discutiu o tema em Rio do Sul recentemente, com a presença das Entidades Médicas catarinenses, representantes do governo do estado e dirigentes da Associação Médica Brasileira.
Os cidadãos, ávidos por soluções, acolhem medidas imediatistas, que na verdade estão longe de ser imediatas, e esperam por maior oferta de especialistas nas mais diversas áreas da medicina. Receberão, no entanto, uma multidão de “médicos” de formação duvidosa, com “certificado de especialidade” conferido pelo Ministério da Saúde, à revelia da qualidade e sem a chancela das próprias Sociedades de Especialidades, detentoras dos critérios de avaliação dos médicos especialistas em todas as áreas. Quem entende do tema sabe que o assunto é de tamanha complexidade que poucos conseguem alcançar. É exatamente esse o lado mais perverso dessa engendrada alternativa, sem alicerces, para o apagão da saúde no Brasil.
A nova realidade da formação de médicos especialistas no Brasil penalizará quem tiver coragem e desprendimento para a carreira médica em 2, 3 ou até 4 anos de trabalho obrigatório para o governo federal, pré-requisito para qualquer médico que queira fazer residência médica. Pior, num contexto muito claro de serviço civil obrigatório, sem qualquer previsão de estruturação física, de equipamentos ou de insumos para as mínimas condições de trabalho e de aplicação da ciência moderna. Nenhuma outra profissão tem serviço civil obrigatório, assim, essa Lei dos palanques afastará das escolas médicas as melhores mentes. Os disputados cursos de medicina hoje existentes, quando multiplicados sem critério e quando “devidamente” atrelados às intenções imediatistas do atual governo, ofertarão muitas vagas com poucos pretendentes. Lamentavelmente o Sr. Alexandre Padilha, único Ministro da Saúde execrado pela medicina brasileira, emprestou ares de quem entende e ajudou vender a ideia mais desestruturante que a saúde pública brasileira já viu.
Hoje, no Brasil, um especialista em qualquer área clínica ou cirúrgica leva pelo menos 10 anos para se formar. Para ser especialista, na maioria das áreas específicas da medicina, o médico precisa fazer duas residências médicas. Primeiro clínica médica ou cirurgia geral, depois a da especialidade clínica ou cirúrgica que escolheu. A Lei do Mais Médicos acrescentará mais 2 a 4 anos de trabalho desestruturado a esse processo e, ao impor aos programas de residência a prioridade aos egressos de seu serviço civil obrigatório, desvirtuará o critério meritocrático do processo seletivo dos programas de residência existentes. É esse o antagonismo da qualidade que podemos esperar para os próximos anos.
Na contramão da história, quando a formação médica se torna cada vez mais complexa e demorada pelo constante e veloz desenvolvimento das tecnologias aplicadas na saúde, o governo brasileiro faz, agora, exatamente o oposto do que fez a América do Norte no início do século passado, época em que EUA e Canadá fecharam quase metade de suas escolas médicas justamente por falta de qualidade de ensino. Em 1910, Abraham Flexner, após visitar as 155 escolas de medicina daqueles 2 países em 180 dias, recomendou aos governos de então o fechamento sumário das escolas que formavam com precariedade. O resultado foi visto com brevidade. A qualidade técnica da medicina americana e canadense é hoje inquestionável. Para os governantes e pensadores da saúde norte-americanos, no início do século passado, o vínculo de competência com prestação de serviço de saúde já era claramente indissociável. Para o Ministério da Saúde do atual governo brasileiro, qualidade deve abrir caminho para quantidade, ciência e recursos físicos são dispensáveis se for possível espalhar “profissionais” que apalpem e consintam em assistir a dor e a morte sem recursos.
Começando com a multiplicação de escolas médicas sem qualquer parâmetro técnico de qualidade, passando pela extinção do controle de qualidade das Residências Médicas por parte das Sociedades de Especialidades Médicas e chegando ao fato raso de que, no entendimento petista vigente “qualquer médico” é médico, a Lei em questão “brindará” a sociedade com uma legião de incompetentes. Formados em massa para atender a demandas numéricas estabelecidas em planilhas, serão ainda mais distantes da faceta humanística que todo médico deve ter, imprescindível no trato com as pessoas, especialmente as pessoas doentes.
Esse cenário é lamentável em todas as esferas. Começa no contexto da saúde privada (para os poucos que ainda podem pagar), passa pelo universo da saúde complementar (que apaga os incêndios do apagão da saúde pública brasileira) e bate com tudo no cidadão pobre, que conta tão somente com o pouco caso do Estado e com o altruísmo das quase falidas instituições filantrópicas e de seus profissionais compadecidos.
Miserável a ótica desse governo populista, que terceiriza suas ausências para os que persistem em sua missão, apesar do caos. Ainda mais miserável será a possibilidade de escolha dos brasileiros por médicos especialistas de qualidade, em um período de 5 a 10 anos. Seremos futuros reféns do sucateamento das PESSOAS, não bastasse o já “normalizado” sucateamento das Instituições de saúde.
Aguinel José Bastian Júnior , Médico e Vice-Presidente da Associação Médica Brasileira da Região Sul