O Brasil gosta de viver perigosamente. Deixa esticar a corda antes de corrigir distorções graves, obrigando então a sociedade a tomar os remédios mais amargos. Está sendo assim com o enfrentamento do desajuste fiscal, que custou uma recessão severa, milhões de empregos, um parque industrial em decomposição e muito mais. E será assim com a reconstrução do nosso sistema previdenciário, inviabilizado por privilégios, distorções, desvios e má gestão.
Chegamos onde estamos conduzidos por uma Previdência excessivamente generosa para um país em desenvolvimento. As nossas regras estão absolutamente fora da realidade internacional, distantes do padrão da OCDE. Gastamos mais de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) com o pagamento de aposentadorias e pensões, enquanto outros países com população jovem como a nossa gastam em torno de 5%. Os nossos dispêndios equivalem aos da Alemanha, que tem uma população mais velha e proporcionalmente muito mais idosos, e são superiores, por exemplo, aos da Espanha, Japão e EUA.
Segundo os dados da Secretaria do Tesouro Nacional, no período 1998-2015 o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que atende trabalhadores da iniciativa privada, teve um crescimento médio de 13,2% ao ano, contra 6,6% da inflação. Em 2016, o RGPS apresentou um déficit de R$ 149,7 bilhões contra R$ 85,8 bilhões em 2015, provocado por aposentadorias rurais (R$ 103,4 bilhões) e urbanas (R$ 46,3 bilhões). Em função da crise, o setor urbano voltou a apresentar déficit após seis anos de saldo positivo.
Relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI) atribui grande parte do problema às pessoas que se aposentam muito cedo. E não são as mais pobres, que têm menor constância no mercado de trabalho e mais dificuldade de comprovar tempo de contribuição. A Previdência no Brasil, diz a CNI, defende os mais protegidos, os que têm emprego garantido. Apoia as pessoas que já se retiraram do mercado em detrimento dos jovens que terão que se submeter a regras mais restritas. Países que passaram por problemas semelhantes incluíram os aposentados na quota de sacrifício, cortando parte dos benefícios, especialmente das faixas maiores, que no Brasil certamente incluem os servidores públicos de todas as instâncias. A despesa mensal média com aposentados e pensionistas da União, por exemplo, foi em 2015 de R$ 7,5 mil no Executivo, de R$ 24,7 mil no Judiciário e de R$ 26,6 mil no Legislativo, contra R$ 1,7 mil no setor privado. E também é oportuno registrar que, enquanto o RGPS atende um universo de quase 30 milhões de pessoas, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que abriga cerca de 1 milhão de servidores públicos, vem gerando déficits crescentes – R$ 77,1 bilhões em 2016, muitas vezes maior por pessoa assistida.
Portanto, por mais que alguns façam malabarismos intelectuais para negar o déficit da Previdência, seja por questões ideológicas ou para manter privilégios, indiscutivelmente os números falam mais alto. Negar essa realidade fica, no mínimo, estranho.
A reforma da Previdência é imprescindível e urgente. Temos que construir um sistema mais justo e sustentável. Combatê-la alegando perda de direitos dos trabalhadores não é um posicionamento imparcial. As centrais sindicais que vão às ruas abrigam os trabalhadores mais bem pagos e protegidos. A reforma pretende garantir direitos mínimos aos menos favorecidos, aos milhões que não se manifestam e serão os grandes perdedores se as coisas continuarem como estão.
O atual momento de instabilidade política não deveria embaçar essa visão.
Carlos Rodolfo Schneider, empresário e coordenador do Movimento Brasil Eficiente (MBE); crs@brasileficiente.org.br