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Ressarcimento aos municípios em decorrência do valor agregado ao ISS

por Cleide Regina Furlani Pompermaier

O Imposto Sobre Indústrias e Profissões foi inserido na competência municipal sob a égide da Constituição de 1946. Com o advento da Reforma Constitucional 18/65 esse tributo foi rebatizado com o nome de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, como é conhecido até os dias de hoje, sendo que atualmente é regulado pela Lei Complementar Nacional nº 116/2003.

Em primeiro lugar, faz-se mister ressaltar que, em nosso entendimento a PEC 110 é inconstitucional, na medida em que ofende o pacto federativo. Deixar os municípios nas mãos dos estados para receber o que hoje lhe pertence de forma exclusiva pela via dos repasses representa uma ingerência incompatível com o modele federativo, donde se conclui que há ofensa da cláusula pétrea inserida no artigo 60, § 4º, inciso I, da Constituição.

A forma adotada pelo Estado brasileiro somente pode ser desfeita por um novo processo constituinte. Uma nova Constituição e não somente com uma emenda à Constituição. Não se retira de um ente federado o seu poder de uma hora para outra, como querem fazer com a reforma tributária prevista na PEC 110. A retirada do ISS para colocá-lo com outra roupagem nas mãos do Estado é ultrajante, mesmo havendo obrigação no repasse das parcelas da verba assim obtida para os municípios.

Caso não for esse o entendimento do Congresso e a PEC 110 for aprovada, os municípios têm direito a uma reparação, considerando o valor agregado ao imposto municipal em 76 anos de sua existência e também pela brusca perda de Poder dos entes municipais, quase sempre vistos como os patinhos feios da federação.

O setor de serviços está a crescer a olhos nus. Os grandes e médios municípios já contam com o seu aparelhamento operacional para arrecadar o ISS, sendo muito incerto dizer que arrecadação com o novo modelo seria maior para os municípios. Primeiro porque não há estudos prévios que assim o comprovem. Aliás, não há sequer uma estimativa baseada em fatos reais, até porque muito se fala, mas ainda não há unanimidade sequer no que concerne ao percentual da alíquota do novo Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e se ela será unificada.

A perda de arrecadação também será provável, na medida em que o dinheiro entregue ao Estado circulará por vários cofres, sendo certo que até chegar aos cofres municipais perderá parte das quantias devidas aos municípios até por conta da nova estrutura operacional, que ainda é uma incógnita, mas que certamente será muito custosa.

Desta feita, muito importante salientar que O ISS, antes de 1965 batizado com o nome de Imposto Sobre Indústrias e Profissões (Isip) tem 76 de existência e nesse longo tempo virou uma grife municipal que desperta o interesse nacional, inclusive pela academia jurídica, que se debruça em torno de estudos acerca da incidência desse imposto, ainda mais depois de 2003 com o advento da Lei Complementar nº 116/2003, que ampliou consideravelmente as suas hipóteses de incidência.

O ISS saiu do ostracismo para virar estrela principal. A verdade está em dizer que o setor de serviços é cobiçado e os municípios não mediram esforços — sempre dentro de suas dificuldades estruturais — para buscar a receita tributária que a Lei Complementar 116 proporcionou. Para tanto, investiram maciçamente na marca ISS, contrataram sistemas tecnológicos e assessorias, montaram novas estruturas de administração tributária, trabalharam incansavelmente no aperfeiçoamento nas legislações e investiram em pessoal. Tudo isso é valor agregado gerado na construção e modernização do imposto municipal, não havendo como se dizer que tal conceito não pode ser aplicado ao direito público porque o dinheiro público vem do particular e, ainda, porque essas perdas decorrentes da não reparação do valor agregado ao ISS refletirá diretamente nos cidadãos das cidades.

A importância do ISS é tão significativa que, com o advento da EC 42/2003, os municípios passaram a ter autonomia, também em relação a investimentos na modernização das estruturas fazendárias e, no mesmo comando constitucional (artigo 37, inciso XXII), houve a inserção dos auditores tributários e os procuradores, das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) como carreira típica de Estado e essencial ao seu funcionamento.

Os prefeitos hoje têm um trunfo que é a possibilidade de arrecadar e gerir a própria receita obtida com os recursos decorrentes da tributação do ISS. Por outro lado, não são poucos os juristas que vem se debruçando sobre o tema, que, como já se mencionou acima, virou peça chave no cenário econômico nacional. O setor de serviços é hoje palco para a elevação do status constitucional e econômico dos municípios e assim, se a competência tributária lhe for suprimida na reforma tributária terão esses entes federados, em nosso entendimento, por tudo o que foi esposado acima, direito a criação de um fundo para essa compensação específica, independentemente da arrecadação advinda com os moldes da nova reforma tributária, afinal eles perderão sua “marca” devidamente construída com sucesso em 76 anos de sua existência.

Artigo publicado no site Consultor Jurídico:

https://www.conjur.com.br/2022-mai-08/cleide-pompermaier-ressarcimento-devido-aos-municipios