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SALTIMBANCO DAS LETRAS

Há exatos 12 meses morreu uma das mais extraordinárias figuras da cultura brasileira, grande romancista e cronista da literatura contemporânea, o baiano João Ubaldo Ribeiro, a alma do povo escrita.
Partiu de forma inesperada, na madrugada de 18 de Julho de 2014.
Conheci o autor João Ubaldo personificado no jagunço Sargento Getúlio (1971), depois vestido de povo em Viva o Povo Brasileiro (1984), na realidade criadora do romance O Sorriso do Lagarto(1989), na ousadia transgressora e irrefutável de A Casa dos Budas Ditosos (1999) e, por último, na pele do velho Tertuliano Jaburu, no seu jeito sereno de encarar a morte como uma forma de renascimento no realismo mágico de O Albatroz Azul (2009), seu derradeiro romance. Acompanhava suas entrevistas saborosas, teatral com aquele vozeirão de barítono cheia de humor ou lia sua opinião certeira a respeito de tudo que incomodava os caminhos da sociedade brasileira no campo da justiça social, da política e da nossa cultura.
Pertence a uma linhagem de escritores apaixonados por nossas tradições, pela cultura popular e suas raízes, espelhadas em romances e crônicas.
Não era um escritor qualquer. Viveu da pena e fez dela a sua arma de luta com talento invulgar, erudição, refinamento, obsessão pela língua portuguesa, com que falamos e como falamos sempre a procura da palavra precisa com brilhantismo e muito humor.
Há alguns anos, João Ubaldo aceitou o meu convite para colaborar no Blog Comunidades da RTP Açores permitindo, gentilmente, a publicação de suas crônicas. Nasceu daí uma grande empatia e uma amizade “emailada” coroada de elegância e generosidade.
Escritor consagrado, premiado. Modesto. A fama não lhe subiu à cabeça.
Tanto é que ao ser distinguido com o Prêmio Camões 2008, o mais importante galardão concedido a autores de língua portuguesa, assim se manifestou: É bom saber que, enquanto escritor da língua portuguesa, pude cumprir, pelo menos no ver de meus contemporâneos, a minha obrigação com seriedade, denodo e amor, porque é desta língua que vivo e nada mais me enaltece do que imaginar que esta língua me agradece.
Com esta mesma simplicidade, alegria e bom humor falava a toda gente, respondia os e-mails de seus amigos ou amigos virtuais como eu. Nunca deixava de expressar o seu agradecimento ou se surpreender com a divulgação de sua arte literária.
João Ubaldo, por 21 anos ocupou a cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras, a Casa de Machado de Assis. Sempre desconfiei que o escritor não costumava frequentar o tradicional Chá da Academia das quintas-feiras. Ele que era um baiano “retado”, que adorava o Rio de Janeiro tanto quanto a sua Itaparica, gostava mesmo era de sentar-se à mesa de um bar e dali, entre amigos, contar muitas histórias, desfiar causos, derramar alegria, partilhar sabedoria.
O que eu não teria dado para ficar sentada num bar batendo um papo sobre a literatura ou apenas ouvindo João Ubaldo a tecer histórias lá da Ilha de Itaparica e do Leblon – do Bar Tio Sam ou, ainda, com picardia e humor comentar ideias hilárias de controle social normatizadas por mirabolantes projetos de deputados e governantes.
Que saudade de tudo isso, Ubaldo! Que saudade de você!

Lélia Pereira Nunes, escritora, Academia Catarinense de Letras.

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