Benefício era concedido pelo Governo do Estado ao setor supermercadista sem a devida autorização legal
Foi suspenso por medida liminar o benefício concedido pelo Governo de Santa Catarina para empresas do setor de mercados e supermercados parcelarem débitos de ICMS sem aplicação de juros e multas. A liminar foi concedida em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), por ter sido concedido o benefício sem que haja previsão formal em lei específica.
A ação foi ajuizada pala 20ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, com suporte do Centro de Apoio Operacional da Ordem Tributária do MPSC (COT), e questiona a constitucionalidade do Decreto Estadual 911/2016, o qual estabeleceu que o pagamento de débitos anteriores a 31 de dezembro de 2015 poderiam ser quitados em até 60 parcelas, com a exclusão total de juros e multas moratórias e punitivas.
A Promotora de Justiça Rosângela Zanatta destaca que, apesar de discordar da metodologia adotada pelo Fisco Estadual, na medida em que a retirada integral da multa e dos juros acaba por tornar menos onerosa a tributação do contribuinte faltoso, inadimplente ou mesmo desonesto, do que a do contribuinte regular, o objeto da ação não é discutir a conveniência e oportunidade da medida – que caberia, no regime democrático, à Assembleia Legislativa-, mas sim, sua legalidade.
“Pretende-se, sim, demonstrada a irregularidade procedimental da remissão fiscal concedida, restabelecer a situação anterior e garantir a integral reparação do Patrimônio Público Estadual. Isso porque o Decreto n. 911/2016, criou, normativamente, benefício fiscal sem lei que o ampare, conforme determina a Constituição Estadual”, completou a Promotora de Justiça.
Segundo o Ministério Público, o Governo do Estado concedeu o benefício amparado unicamente por um convênio interestadual, realizado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), sendo posteriormente implementado pelo Decreto Estadual, ignorando a exigência de que qualquer moratória e perdão de dívida só pode ser concedido se previamente autorizado pela Assembleia Legislativa.
Na Ação, a Promotora de Justiça ressalta que a Constituição do Estado de Santa Catarina, em seu artigo 128, estabelece claramente que somente a lei poderá conceder isenção, redução de alíquota ou base de cálculo, anistia, remissão e outros incentivos e benefícios fiscais, dispositivo idêntico ao previsto na Constituição Federal, que expressa que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativo a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica”.
Diante dos argumentos apresentados pelo MPSC, a medida liminar foi concedida pelo Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital para proibir a concessão de novos benefícios amparados no referido decreto, além de suspender a eficácia dos benefícios já concedidos.
A fim de quantificar o prejuízo e possibilitar o ressarcimento ao patrimônio público em caso de a ação ser julgada procedente, a medida liminar também determina, conforme requerido pelo Ministério Público, que o Estado apresente, em 15 dias, a relação das empresas beneficiadas e os valores envolvidos.
A procedência da ação, com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Estadual e a anulação definitiva dos benefícios concedidos, com o restabelecimento do crédito tributário devido ao Estado de Santa Catarina, será apreciada por ocasião da sentença. A decisão liminar é passível de recurso (ACP n. 0900607-80.2017.8.24.0023)
AÇÃO TEVE ORIGEM NO PROJETO TRANSPARÊNCIA FISCAL
A matéria foi trazida à tona no ano de 2016, a partir de estudo realizado pelo Centro de Apoio Operacional da Ordem Tributária do Ministério Público de Santa Catarina, na execução do Projeto Transparência Fiscal, iniciativa vinculada ao PGA 2016-2017 do MPSC.
A partir dessa iniciativa, o MPSC promoveu duas medidas judiciais ligadas ao Projeto. Uma delas é a Ação Civil Pública n. 0900607-80.2017.8.24.0023, proposta pela Promotora de Justiça da 20ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, Rosângela Zanatta, na qual foi concedida a medida liminar.
A outra é a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 8000014-09.2017.8.24.0000, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, Sandro José Neis, e pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Controle de Constitucionalidade, Durval da Silva Amorim, questionando a interpretação dada pelo Governo do Estado ao parágrafo único do art. 99 da Lei Estadual n. 10.297/1996 (Lei do ICMS).
O parágrafo contestado considera homologado o convênio se a Assembleia Legislativa não o rejeitar expressamente no prazo previsto na legislação complementar para sua ratificação. Porém, conforme sustenta o MPSC na ADIn, não existe esta possibilidade, uma vez que a Constituição Estadual exige a aprovação de lei específica para a concessão dos benefícios fiscais. A Adin aguarda julgamento pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
O PROJETO TRANSPARÊNCIA FISCAL
O Projeto Transparência Fiscal, desenvolvido pelo Centro de Apoio Operacional da Ordem Tributária (COT) do Ministério Público de Santa Catarina, visa a garantir a isonomia tributária e o respeito à capacidade contributiva assegurados na Constituição Federal, atendendo aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa.
Assim, acompanha a concessão de benefícios fiscais concedidos pelos municípios e pelo Estado de Santa Catarina em desacordo com o ordenamento jurídico, bem como o descumprimento de condições que justificaram o seu deferimento promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais adequadas para a correção ou cancelamento de eventuais distorções.