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Todos Iguais e Tão Desiguais: Pequeno Manifesto Pessoal Pelo Fim do “Juridiquês”

Por Vinícius Ouriques Ribeiro da Silva* – Presidente da Comissão de Transparência, Governança e Controle Social do IASC.

 

Frequentar a escola é, de fato, excelente oportunidade para aprender que todos são merecedores de tratamento digno. Entretanto, ao se conceber práticas de ensino que não valorizam a individualidade do sujeito, com sua bagagem cultural e suas experiências particulares, não se permite um ensino igualitário nem um avanço nas discussões que abordam esse espaço com o heterogêneo. Desse modo, cada sujeito continuará a percorrer sua trajetória escolar a seu ritmo, dentro de um mesmo tempo, único. Consequentemente, uns dominarão tudo e outros quase nada.[1]

A afirmação mencionada acima é parte integrante de um trabalho científico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ que buscou discutir o uso da língua escrita como instrumento de exclusão social.

Em resumo: saber é poder!

Dentro dessa temática, é preciso trazer à tona os dados gritantes da escolaridade no Brasil. Conforme números publicados pelo IBGE, temos hoje 9,3 milhões de brasileiros que não são alfabetizados, a grande maioria com mais de 40 anos e, 46% da população permanece em uma realidade de escolaridade básica incompleta.[2]

Diante desta realidade nasce um grande desafio a ser enfrentado pelo Poder Público, principalmente pelo Poder Judiciário: como exercer uma comunicação assertiva e compreensiva com essa parcela da população?

Para isso o Conselho Nacional de Justiça lançou em dezembro de 2023 o Pacto Nacional do Judiciário pela linguagem simples, por um motivo óbvio: a população precisa entender o que falam as decisões judiciais.

O objetivo principal do programa consiste na adoção de ações, iniciativas e projetos a serem desenvolvidos em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição, com o objetivo de adotar linguagem simples, direta e compreensível a todas as pessoas na produção das decisões judiciais e na comunicação geral com a sociedade. A linguagem simples também pressupõe acessibilidade: os tribunais devem aprimorar formas de inclusão, com uso de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e de audiodescrição ou outras ferramentas similares, sempre que possível.[3]

De acordo com dados divulgados pelo Supremo Tribunal Federal – STF,[4] o país encerrou o ano de 2023 com 3,8 milhões de processos em tramitação. A maior concentração está nas justiças estadual e federal. Foram recebidos 35 milhões de novos processos, o maior número da série histórica de quase 20 anos, com aumento de 9,4% em relação ao ano anterior e no mesmo período foram proferidas 33 milhões de sentenças.

Em Santa Catarina, dados apresentados pelo Tribunal de Justiça do Estado – TJSC apontam que somente nos três primeiros meses de 2024, foram ajuizados no 1º grau de jurisdição 172.459 novos processos, seguido pelos Juizados Especiais que tiveram o ajuizamento de 65.275 novas ações.

Diante dos dados apresentados acima, podemos concluir que mais cedo ou mais tarde, decisões serão proferidas e serão de conhecimento das partes envolvidas, iniciando-se aí, um verdadeiro desafio para grande maioria das pessoas que é entender o que está escrito.

Em recente artigo publicado pelo Anuário da Justiça Brasil 2024 e reproduzido pela revista Consultor Jurídico, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso defendeu que as boas práticas de linguagem permitem que a sociedade compreenda melhor a fundamentação das decisões do Judiciário.[5]

Um levantamento realizado no mês de julho demonstrou que o Pacto já tem a adesão de 70 tribunais e órgãos da Justiça brasileira.

Decisões precisam ser inteligíveis. Dessa forma, o poder da escrita não pode servir como uma forma de segregação social, como forma de exclusão de direitos. Nas palavras do Ministro Barroso, “Quase tudo o que decidimos pode ser explicado em uma linguagem simples, que as pessoas consigam entender. Ainda que para discordar, mas para discordar daquilo que entenderam.

A eliminação de termos excessivamente formais e dispensáveis à compreensão do conteúdo a ser transmitido, a adoção de linguagem direta e concisa nos documentos, comunicados públicos, despachos, decisões, sentenças, votos e acórdãos, estar disponível, sempre que necessário, para explicar o impacto da decisão na vida do cidadão, são exemplos de como o poder público, em todas as suas esferas, deve adotar a linguagem.

Michel Foucault, em sua brilhante obra Microfísica do Poder, aborda o saber e o poder como forma de controle da sociedade. Para o autor, os discursos de verdade na sociedade são aferidos por meio de comportamentos, linguagens e valores e assim, refletem relações de poder, podendo ou não, aprisionar indivíduos.

A forma da linguagem é uma excludente social há muitos anos, mas parece que, a partir de agora, o poder público passa a entender que não somos todos iguais, somos na verdade tão desiguais, como diria Humberto Gessinger, e então começa a realizar um esforço para tornar suas decisões mais democráticas, inteligíveis e acessíveis.

Porquanto, uma sociedade que respeita todas as formas de saber, estimulando todas as formas de compreensão, tem tudo para ser cada vez mais igualitária e equilibrada. E isso é o que todo servidor público tem a obrigação de buscar. Afinal, o serviço público nasce para “servir ao público” e não para excluí-lo.

 

 *Vinícius Ouriques Ribeiro da Silva – Advogado. Formado na Universidade do Vale do Itajaí no ano de 2006. Pós-graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2014 no Curso de Especialização em Controle da Administração Pública Municipal. Pós-graduado pela Universidade Anhanguera no ano de 2023 no Curso de Especialização em Direito Constitucional e no Curso de Especialização em Licitações e Contratos no ano de 2024. Atualmente Presidente da Comissão de Transparência, Governança e Controle Social do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC.

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