Hoje (4/4), a Lei Federal 13.431/17, que estabelece o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, completa 5 anos. De lá para cá, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) se tornou referência nacional por atuar com ênfase na implementação dos protocolos estabelecidos, tendo duas frentes de atuação: a do depoimento especial e a da escuta especializada.
“Nesses cinco anos da Lei n.13.431, propagamos que a aplicação depende sobretudo de uma mudança profunda de mentalidade a respeito da forma como atendemos e entendemos as crianças e adolescentes quando são vítimas ou testemunhas de violência. Seja uma mudança de cultura, uma mudança de mentalidade da rede de proteção e da própria sociedade no sentido de saber identificar e fazer os encaminhamentos, as denúncias necessárias para o ator competente. Tendo como meta que essas crianças sejam ouvidas com atenção, sem exposição, no menor número de vezes possível – para que não sofram também a revitimização, tendo que contar várias vezes a mesma história – com os encaminhamentos sem excesso, mas também sem omissão”, explica o Coordenador do Centro de Apoio Operacional, Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega.
Para marcar estes cinco anos de intenso trabalho, o MPSC e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) realizam ao longo do mês duas lives, uma sobre Depoimento especial e a outra sobre Rede de proteção e protocolos de atendimento. A primeira live acontecerá no dia 19 de abril, às 19h30, no Canal do YouTube do TJSC. A segunda live será no dia 26/04, no mesmo horário e canal.
Depoimento Especial e Escuta Especializada
Antes da Lei n. 13.431, estudos demonstravam que crianças e adolescentes vítimas de violência eram ouvidas de oito a dez vezes ao longo das investigações policiais, inclusive em atendimentos da rede de proteção, que incluem o Conselho Tutelar, a saúde e a escola. Com a instituição dos procedimentos do depoimento especial a da escuta especializada, ações coordenadas passaram a reduzir estes números.
Aqui no estado, os municípios estão cada vez mais alinhados com o compromisso da proteção integral dessa população, protegendo as crianças e adolescentes de intervenções demoradas, repetidas e até mesmo inadequadas. Ao mesmo tempo, todas as Delegacias de Polícia, Promotorias de Justiça e as Varas Judiciais de Santa Catarina têm hoje um protocolo definido para que a criança seja ouvida apenas uma vez durante todo o processo judicial.
“Desde a investigação, do inquérito policial, até a ação judicial, essa criança será ouvida apenas uma vez por um especialista, por uma pessoa capacitada e não mais na sala de audiências, na frente do Juiz, do Promotor, de Advogado e às vezes até do próprio acusado”, afirma Botega.O depoimento especial é o procedimento de oitiva da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência perante a autoridade policial ou judiciária, com a finalidade de produção de prova, com vistas a eventual responsabilização daquela pessoa que tenha violentado, que tenha agredido, seja física, moral ou sexualmente aquela criança ou aquele adolescente.
A partir da rotina estabelecida aqui em Santa Catarina, o depoimento especial é realizado em local reservado, por um profissional capacitado em protocolos reconhecidos nacional e internacionalmente. Essa entrevista é transmitida simultaneamente, em tempo real, à sala de audiências e, por isso, ela é uma forma muito mais protetiva de situar a fala da criança e do adolescente quando necessário na produção de provas dentro de um processo judicial ou de um inquérito policial.
Já a escuta especializada, conforme prevê a mesma lei, é o procedimento de entrevista sobre a situação de violência com criança ou adolescente perante o órgão da rede de proteção, limitado o relato ao estritamente necessário para a sua finalidade. A escuta especializada não tem por finalidade a produção de provas, mas sim a verificação da existência de riscos, demandas de saúde ou outras situações que sejam da atuação da rede de proteção para proteger aquela criança ou aquele adolescente.
Trabalho do MPSC para a aplicação da Lei
O Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ) instituiu, no âmbito do Ministério Público de Santa Catarina, o Programa “Escuta Protegida de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência”, que tem por objetivo diagnosticar e fomentar a ampliação e a conformidade, em todo o Estado, do sistema de garantia de direitos das crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência.Desde 2017, ano da publicação da Lei 13.431, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, o MPSC, por meio das atividades do CIJ, tem se articulado com demais órgãos de proteção e responsabilização para a implementação interinstitucional da escuta protegida no estado de Santa Catarina.
Diante das diretrizes estabelecidas pela lei, bem como pelo Decreto Federal n. 9.603/2018, que a regulamenta, conferindo ao poder público a responsabilidade de sua implementação, foi elaborado e assinado, em 2019, o Termo de Cooperação n. 93/2019, celebrado entre o Poder Judiciário de Santa Catarina, o MPSC e a Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, que tem por objeto a cooperação na implementação da Lei 13.431/2017, especialmente quanto ao Depoimento Especial e o fluxo de atendimento no sistema de justiça.
Quanto às diretrizes que concernem aos procedimentos e fluxos da rede de proteção, especialmente quanto à figura da “escuta especializada”, o CIJ, em 2018, constituiu um grupo de trabalho interinstitucional estadual sobre o sistema de garantia de direitos das crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, em parceria com a Federação Catarinense de Municípios (FECAM), Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social (SDS), Secretaria de Estado da Saúde (SES),Associação dos Conselheiros Tutelares (ACCT) e Secretaria de Estado da Educação (SED), hoje chamado GARANTE.Entendeu-se fundamental criar uma referência estadual de orientação aos municípios para alinhar conceitos e práticas e instrumentalizar os gestores na implementação das referidas normativas.
Desde então, o grupo tem produzido diversos materiais e modelos de documentos oficiais e realizado encontros com todas as regiões do estado para esclarecer dúvidas e sensibilizar a rede de proteção. A partir dessas orientações, as Promotorias de Justiça tem atuado para a elaboração e definição dos protocolos locais para a escuta especializada em cada município de Santa Catarina.
“Muitas pessoas acreditam que ter filhos ou conviver e trabalhar com crianças é suficiente para escutar ou inquirir crianças e adolescentes. Isso não é verdade. “Ter jeito” com crianças não significa ser capaz de executar uma escuta ativa livre de intervenções inadequadas. Uma boa acolhida de revelação espontânea necessita de conhecimento. Mais ainda, uma entrevista de escuta especializada requer o domínio de técnicas específicas de entrevista e muito conhecimento sobre o fenômeno da violência. A exigência legal de capacitação contínua serve como um alerta e um chamado, pois todo trabalho com crianças e adolescentes deve estar sempre tecnicamente planejado e fundamentado”, conclui a Analista em Psicologia do MPSC Daphne de Castro Fayad.