Blog do Prisco
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Um Imposto de Renda Ultrapassado

 

Como vem sendo comum nos últimos anos, a fogueira das redes sociais por vezes turva a visão de assuntos técnicos fundamentais como a correção da tabela do IRPF. Visto como surreal, a correção na faixa de isenção para quem ganha até R$5.000,00 é pequena. Como assim ficou louco? Você me perguntaria.

Claro que não, o fato é que se aplicarmos a correção (IPCA) dos valores da tabela de isenção, o “benefício” sobre os rendimentos mensais seria ainda maior. Isso mesmo, em dezembro de 1994 a faixa isenta de IRPF era de R$900,00, logo a mera atualização desse valor levaria os contribuintes que recebem por mês até R$6.488,71 a ficarem isentos do pagamento do Imposto de Renda. Também por isso a correção da tabela é uma medida de justiça fiscal.

O fato é que a faixa de isenção, aquele valor que se entende ser o mínimo existencial para suportar as despesas de uma família, com alimentação, transporte, moradia, saúde e educação, não decorre de um benefício do legislador ordinário, mas sim segue o ordenamento Constitucional brasileiro que trata da matéria.

 

Por isso, é um equívoco pensar que essa renda não é tributada por ser um favor fiscal, uma renúncia, muito pelo contrário, temos sim um valor humano e econômico basilar resguardado pela Magna carta.

A CF no seu Artigo 153 III, ao destinar a Competência impositiva a União para instituir um Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, também deu limites, não sendo essa competência constitucional impositiva uma carta em branco.

O imposto sobre a renda, obedece aos princípios, da generalidade, universalidade e progressividade, na forma da lei.

Logo a lei ordinária é quem define qual renda, e ou acréscimo patrimonial que deve ser tributado, observando-se a capacidade contributiva e o mínimo existencial do contribuinte, e é isso que esse projeto se destina, recuperar as referências tributárias, identificando e atualizando a faixa da renda isenta.

Essa atualização vai fazer com que cerca de 65% dos contribuintes do IR deixem de pagar o tributo, o que se conclui que a medida deve isentar mais 10 milhões de pessoas, que de forma justa tiveram suas bases de referência atualizada, isso é claro após a aprovação do projeto.

Atualmente, não paga IR quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824). A faixa de isenção, na verdade, é de R$ 2.259,20, mas acaba chegando aos dois salários mínimos, porque a regra da Receita Federal permite uma dedução simplificada mensal de R$ 564,80 do imposto (R$ 2.259,20 + R$ 564,80 = R$ 2.824).

Com a aprovação, do projeto, quem tem renda entre R$ 5 mil e R$ 7 mil vai manter as faixas atuais de tributação. No entanto, entre o valor de R$ 5.000,01 e R$ 7 mil, o contribuinte vai ganhar um crédito que diminui o IR a ser pago

Na prática, o Brasil passará a ter quatro grandes grupos: contribuintes com rendimentos de até R$ 5 mil serão isentos de IR; quem tem renda entre R$ 5 mil e R$ 7 mil vai manter as faixas atuais de isenção, mas, entre o valor de R$ 5.000,01 e R$ 7 mil, ganha um crédito que diminui o IR a ser pago.

Os contribuintes com rendimentos acima de R$ 7 mil permanecem com as atuais regras.

É evidente que o avançar da economia, impulsionada por uma profunda transformação digital, acaba por criar novas formas de aquisição de renda e patrimônio, o que faz com que seja necessário se adequar a legislação do IRPF e IRPJ, uma medida de justiça e de eficiência fiscal, afinal a construção da cidadania se dá por uma arrecadação justa e por um emprego eficiente dos valores tributários arrecadados, e sempre que possível com a redução de benefícios que distorcem o propósito do Estado.

É fundamental entender, que o Estado tem de ser de todos e pra todos, e não apenas de poucas categorias econômicas e funcionais que exercem mais pressão, na perpetuação de uma tributação injusta e que alimenta um sistema de privilégios.

Todo privilégio injustificado é injusto, sabidamente, uma das causas para a nossa enorme desigualdade social é a “baixa progressividade” do sistema tributário, são poucas alíquotas que acabam favorecendo as maiores rendas, além de isenções que beneficiam igualmente com muitas isenções sobre rendimentos que incidem sobre o topo da pirâmide.

 

A Receita vai computar, para a renda da pessoa física, salários, aluguéis, pensões, lucros e dividendos e vai desconsiderar três tipos específicos: recebimento de herança; ganhos de capital, como a venda de um imóvel; e também os rendimentos recebidos acumuladamente, como ações na Justiça ou indenizações trabalhistas, o que já ocorre hoje.

Para apuração, ficam de fora do cálculo, as rendas com isenção prevista em lei, como é o caso de rendimentos obtidos na poupança, em títulos e valores mobiliários, como LCIs e LCAs, aposentadorias e pensões por doenças graves.

A progressividade das nossas alíquotas, em apenas três patamares, acaba sendo injusta, e isso precisa ser arrumado, o que pode ocorrer durante a tramitação do projeto. Para se ter uma ideia até 1989, a alíquota máxima do IRPF era de 45%, e com o tempo essa máxima foi sendo reduzida para 25% em 1990.

Em 1995, as mudanças silenciosas na tributação foram sendo ampliadas, pois pela lei n ° 9.249, de 26 de setembro de 1995, não somente os lucros das empresas distribuídos na forma de dividendos foram isentos de sua incidência, como foi permitida sua distribuição na forma de juros sobre o capital próprio, com uma alíquota de 15%, abaixo da tabela progressiva. Além do mais, a alíquota do imposto de renda incidente sobre o lucro tributável das empresas foi reduzida de 25% para 15%, bem como os adicionais cobrados sobre as faixas de lucros superiores a determinados limites, corroborando para agravar o ônus dos mais pobres e aliviando o das camadas mais ricas.

Dinheiro que deixa de ser utilizado para pagamentos do IRPF, é recurso que entra e move a economia.

Quanto a proposta da tributação incidente sobre os dividendos, isso já merece um outro artigo.

 

Charles M. Machado

Advogado Tributarista