A crise econômica provocada pelo Coronavírus obrigou muitas companhias nacionais a utilizar o instituto da recuperação judicial. Os legisladores, convencidos de que esse pode ser um instrumento importante para a sobrevivência dos negócios no pós-pandemia, discutem projetos que modernizam as regras definidas na Lei nº 11.101, em vigor desde 2005, e oferecem condições favoráveis para tornar menos árido o ambiente de negócios para as empresas em processo de reestruturação.
A visibilidade do assunto pode contribuir para que o empresariado e os gestores públicos brasileiros percebam a importância da reestruturação empresarial como ferramenta eficiente para evitar a falência de pequenas, médias e grandes organizações. Nada obstante os dados e notícias acerca do aumento de pedidos de recuperação judicial e de recuperações extrajudiciais no Brasil, o número de empresas que se utilizam dos instrumentos de insolvência para sua reorganização ainda é muito baixo em comparação ao que se vê no em outros países. Estes baixos índices não são coerentes para um país com uma economia como a nossa.
Há razões culturais e legais que explicam. Em geral, empresários resistem aos instrumentos de recuperação por motivos variados: entre eles, destaque para o injustificado constrangimento e as experiências ruins vividas com antigos e ineficientes institutos que não mais vigoram, como a concordata.
Há que se esclarecer, antes de tudo, que crise financeira não é sinônimo de erro. As empresas exploram atividades de risco por natureza e passam por reveses em qualquer lugar do mundo. Afinal, a atividade econômica é sujeita a fatores endógenos (internos) e exógenos (externos), que por vezes conduzem a situações de dificuldade nem sempre atribuíveis aos empresários e administradores. As assimetrias de informações também são inerentes a todos os mercados, induzindo a tomada de decisões e rumos cujos resultados nem sempre são os esperados. Portanto, a adoção de medidas de reestruturação deve fazer parte da vida das empresas, conforme se verifica na história da economia mundial.
A crise econômica provocada pela pandemia é prova disto. Ela tem atingido gravemente as empresas. Ou seja: nem sempre a crise pode ser atribuída ao empresário. Diante disso, os únicos fatores que não podem preponderar na análise do caminho a seguir são a idiossincrasia, o receio, a incerteza e até o constrangimento em buscar o auxílio necessário para o soerguimento dos negócios.
Há ainda uma questão jurídica a ser considerada. No Brasil, a adoção de qualquer medida de recuperação ainda depende, única e exclusivamente, de decisão e iniciativa do empresário em crise. Em outros países como a França e os Estados Unidos, citados apenas como exemplo, tal iniciativa pode ser tomada por terceiros, inclusive pelos credores. A lei de recuperação de empresas brasileira tem origem em um projeto de lei de 1993. Durante o longo trâmite legislativo, chegou-se a sugerir a inclusão de previsão legal permitindo aos credores requerer a instauração de medidas que buscassem não necessariamente a falência e a liquidação da empresa devedora, mas também sua reorganização e recuperação. É o que se denomina na legislação americana de involuntary petition.
Todavia, tal previsão foi retirada ainda durante o trâmite do projeto de lei que culminou na Lei nº 11.101/2005. Portanto, pela sistemática vigente no Brasil, a falência pode ser requerida pelos credores, pelo próprio devedor (autofalência) ou pelos seus sócios, herdeiros e cônjuges, mas a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial, instrumentos que visam à superação da crise empresarial, só podem ser requeridas pelo próprio empresário devedor (empresário individual, sociedade empresária ou pela EIRELI).
Na época, a justificativa era a de que não havia ainda no Brasil o amadurecimento necessário para permitir aos credores esta iniciativa. Necessitávamos ainda, segundo aquele discurso, da absorção de outras mudanças significativas, de acordo com as regras que passaram a vigorar, tais como: a possibilidade de o empresário devedor adotar meios ilimitados de recuperação; a sujeição aos planos de recuperação judicial dos créditos trabalhistas, com garantia real e privilegiados; a submissão dos planos de recuperação a aprovação dos credores; a venda de ativos sem sucessão, mesmo trabalhista e tributária.
Ocorre que o tempo é fator importante nessa equação. Há que se respeitar o momento ideal para adotar as medidas de recuperação da empresa. Cabe ao empresário, diante de um quadro de agravamento de crise, analisar o atual estado da organização, ou seja: a viabilidade, a composição das dívidas, o patrimônio, a capacidade de geração de caixa e sua projeção. A aferição se dá, preferencialmente, através de diagnóstico, ou due dilligence, que permite aferir qual o melhor plano de ação para a recuperação da empresa, que pode ser desde a renegociação com credores específicos, a renegociação coletiva com os credores ou, se tais medidas não se mostrarem suficientes, a recuperação extrajudicial ou, em último caso, a recuperação judicial. O fundamental, no difícil momento que enfrentamos, é fazer o possível e o adequado para sobreviver.
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