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Vida que segue

Em artigo encaminhado aos jornais da Adjori/SC, o advogado e ex-secretário da Fazenda fala sobre não se apegar ao poder

O apego ao poder é um erro. Ele afasta o olhar da realidade e nos dá uma falsa sensação de proteção. Ao abrir mão na última semana de um disputado cargo na administração pública, percebi que somos muito maiores do que aquilo que possuímos transitoriamente. Que o que vale é a nossa essência e que é preciso ir atrás daquilo em que acreditamos.

São inegáveis os benefícios que determinadas posições nos proporcionam – em especial o de decidir em nome de muitos que não teriam voz. Mas isso também é um peso, na medida em que nunca é possível agradar a todos e atender tantos interesses diferentes.

Por isso o desapego liberta. Quando encerramos um ciclo, não seremos assaltados pela tristeza se tivermos a consciência de que cumprimos nosso papel naquela etapa. Eu, por mais que tivesse incontáveis projetos a realizar como secretário e que tenha tido que interromper de forma brusca meu planejamento – conto com a tranquilidade de ter motivado um time que seguirá realizando as ações necessárias da melhor forma e com a mais alta qualidade técnica.

As pessoas passam, as instituições ficam. Talvez seja essa a realidade que escapa a muitos gestores públicos no Brasil e, arrisco dizer, a grande causa de muitos dos problemas que assolam a nossa política.

Esse ciclo relativamente longo que experimentei “no poder” me trouxe um aprendizado que nem dez títulos universitários me dariam. Um deles é que em tudo na vida devemos estabelecer limites. O meu foi ser acusado injusta e publicamente por erros que não cometi.

Nos mais de dez anos como gestor público meu foco foi em resolver problemas e enfrentar crises. Dificilmente fui visto em festas, inaugurações de obras, entregas de serviços cuja viabilidade financeira invariavelmente passou pela minha decisão. Eu tinha uma missão e nela me concentrei: manter o equilíbrio fiscal do Estado e, consequentemente, seu desenvolvimento social e econômico. São diversos os indicadores que deixam minha consciência leve.

Meus próximos passos passam por caminhos ainda não traçados, mas vou em direção à verdade. Tenho uma nova missão: mostrar àqueles que confiaram em mim que não estavam errados. Por mais que estejamos assistindo a um turbilhão em todas as nossas instituições, ainda acredito no julgamento dos Procuradores da República e nos magistrados, que creio, serão os heróis no final dessa longa e intensa crise de valores que atravessamos. Não é possível que criminosos confessos vençam no fim.

Enquanto corro atrás do esclarecimento dos fatos, me volto um pouco mais para a vocação que norteou minha formação como mestre e doutor em direito: a busca por justiça. A isso me dedico com a tranquilidade de que, como eu abracei, outros abraçarão a missão na Secretaria da Fazenda com a mesma paixão. Na improvisada despedida no gabinete, pude sentir que a minha emoção era também a de muitos colegas. Aquele foi um momento que ficará gravado em minha memória. Ali percebi que tudo, de bom e de ruim que vivi nesse ciclo, valeu a pena. Ninguém é insubstituível e a vida segue dando suas voltas.

Como escreveu a admirável Clarice Lispector, “Corro perigo; Como toda pessoa que vive; E a única coisa que me espera; É exatamente o inesperado”. Meu muito obrigado a todos que acreditam. Eu sigo acreditando.

 

 

Antonio Gavazzoni, advogado e doutor em Direito Público

 

 

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