Já tinha visto em alguns filmes de ficção científica. Mas recentemente li uma reportagem dando conta de que já existem algumas centenas de pessoas pelo mundo adeptas da criogenia: congelamento de um corpo humano dentro de um sarcófago-freezer de alta tecnologia por tempo indeterminado. Logo depois da morte, o corpo é colocado numa banheira com água e gelo e um aparelho possibilita o retorno artificial da circulação do sangue e da respiração. Depois disso, o sangue é substituído por substâncias químicas que impedem a formação de cristais de gelo no organismo e moléculas são injetadas para minimizar os danos causados pela morte. A técnica já é feita em três lugares nos Estados Unidos e em um na Rússia a preços que podem chegar aos 200 mil dólares. Em um desses lugares, a Alcor Foundation, no Arizona, repousam mais de 100 corpos congelados, inclusive o do astro do beisebol dos anos 40, Ted Williams, morto em 2002.
Seria a criogenia uma esperança real para doentes sem perspectiva de cura, que poderiam “voltar” quando a medicina estivesse mais avançada? Até agora nenhum ser humano foi descongelado ou ressuscitado para responder. E eu provavelmente não viverei para ver isso acontecer. Se viver, pode ser que me arrependa de ter sido conservador, antiquado. Mas, ao ler a matéria no jornal, me perguntei: para que isso?
De que adiantaria acordar décadas depois, praticamente em outro mundo, sem as pessoas que eu conheço, com quem criei laços desde o nascimento? Num tempo que não é o meu, em que serei um estranho no ninho. Acredito que cada um tem a sua hora e o seu caminho a trilhar nessa passagem pela vida terrena. É claro que podemos e devemos lançar mão de toda as tecnologias e avanços científicos possíveis para ter uma vida com mais qualidade e saúde. Mas congelar a existência com vistas a um futuro desconhecido me parece uma alternativa bizarra.
Mesmo que isso nos valha a cura de uma doença que hoje não tem perspectiva de regressão, não há sentido em acordar fora da nossa realidade. Em que pesem os prejuízos físicos de uma hibernação forçada, os impactos psicológicos são imprevisíveis.
Parece que agora teremos mais uma para a nossa coleção de dúvidas sobre vida após a morte. Além de querer saber para onde vamos para onde morremos e se o espírito permanece com a falência do corpo físico, vamos querer descobrir o que acontece na vida pós congelamento.
O tema é tão instigante que inspirou o mais recente romance do escritor americano Don DeLillo, chamado de Zero K. A história se passa no Quirguistão, país da Ásia Central, para onde um jovem viaja para se despedir da madrasta doente e conhece um imenso complexo médico e tecnológico criado por seu pai para armazenar corpos humanos por meio da criogenia. O objetivo, como na vida real, é armazenar corpos congelados para que sejam ressuscitados em um futuro indeterminado, quando a ciência tiver descoberto a melhor maneira de trazê-los de volta à vida. No livro, as pessoas se voluntariam ao processo criogênico mesmo estando saudáveis e sem risco próximo de morte. Tirando essa diferença, vida e arte se confundem. Mas a questão principal é a mesma: com a criogenia estaríamos evitando a morte ou a própria vida?
Antonio Gavazzoni, advogado e doutor em Direito Público